A morte do menino Benício Xavier de Freitas, de apenas seis anos, após receber uma dose incorreta de adrenalina no Hospital Santa Júlia, em Manaus, expõe uma sequência de falhas médicas que terminou em tragédia. Os pais, Bruno Mello de Freitas e Joyce Xavier Carvalho, revivem os últimos momentos de agonia do filho, que chegou com tosse seca e febre, suspeita de laringite, e morreu na madrugada do dia 23 de novembro.
A noite de agonia e as paradas cardíacas
Segundo o relato emocionado do pai, Bruno, Benício estava lúcido quando foi transferido para a Unidade de Terapia Intensiva. O menino jantou e pedia água frequentemente. "Ele me vê e toda vez que tosse ele pede: 'pai, eu quero água'. Ele vai e dá só um golinho", contou. Minutos depois, a situação mudou drasticamente: Benício começou a ficar ofegante e sonolento.
A equipe médica orientou que era preciso melhorar a oxigenação para evitar a intubação. "Eu falava com ele internamente: ‘Bora, filho. Bora. Melhora essa oxigenação’. Eu rezava muito, muito, ajoelhado do lado da maca", relembra Bruno. Sem melhora, pouco antes da meia-noite, Benício passou pela primeira de três tentativas de intubação.
Foi durante esse procedimento que a criança sofreu a primeira parada cardíaca. No total, foram seis paradas, três delas testemunhadas pelo pai dentro da UTI. "Eu tocava muito nele, apertava muito o pé dele. Eu gritava muito naquele leito. Gritava: 'volta Benício, volta e fica com a gente, você tem força'", desabafa Bruno.
A sexta e última parada foi a mais longa. Tomado pelo desespero, o pai chegou a se oferecer para ajudar a médica na oxigenação, mas foi dispensado. Benício não resistiu e morreu às 2h55 do dia 23 de novembro.
A confissão do erro e a investigação policial
A médica responsável, Juliana, admitiu o equívoco em um documento enviado à Polícia Civil e em mensagens trocadas com outro médico, Enryko Queiroz, nas quais pedia ajuda. No entanto, sua defesa alega que a confissão foi feita "no calor do momento". A técnica de enfermagem Raiza Bentes Paiva, que aplicou o medicamento, também é investigada. Ambas respondem ao inquérito em liberdade.
Em relatório, a médica reconheceu que errou ao prescrever adrenalina por via intravenosa. Ela afirmou ter informado à mãe que a medicação deveria ser administrada por via oral e disse ter se surpreendido pelo fato de a enfermagem não questionar a prescrição. Por sua vez, a técnica Raiza declarou que apenas seguiu o que estava registrado no sistema do hospital.
O Conselho Regional de Medicina do Amazonas (CREMAM) abriu um processo ético sigiloso para apurar a conduta da médica no dia 26 de novembro. O Hospital Santa Júlia afastou as duas profissionais. O delegado Marcelo Martins investiga o caso como homicídio doloso qualificado, considerando inclusive a possibilidade de crueldade.
Cronologia de um desfecho fatal
Benício foi levado ao hospital no dia 22 de novembro. Segundo a família, além de lavagem nasal, soro e xarope, ele recebeu três doses de adrenalina intravenosa de 3 ml a cada 30 minutos. "Meu filho nunca tinha tomado adrenalina pela veia, só por nebulização. Perguntamos, e a técnica disse que também nunca tinha aplicado desse jeito. Mas afirmou que estava na prescrição", relatou o pai.
A piora foi rápida e assustadora. O menino ficou pálido, com membros arroxeados, e reclamou que "o coração estava queimando". Sua saturação de oxigênio despencou para cerca de 75%. Transferido para a sala vermelha e depois para a UTI por volta das 23h, seu estado se deteriorou até o desfecho fatal.
Bruno e Joyce agora carregam a lembrança do filho. "A gente sempre vai lembrar dele, da criança que ele era. Uma criança pura, meiga... O ser vivo mais puro que eu já encontrei, que eu conheci na humanidade", diz o pai, em uma homenagem dolorosa a Benício.