Herança de Eufrásia Teixeira Leite: o legado de R$ 1 bi em ruínas
Legado bilionário de Eufrásia Teixeira Leite destruído

A história de uma das maiores fortunas do Brasil Imperial está sendo apagada em Vassouras, no interior do Rio de Janeiro. O legado filantrópico de Eufrásia Teixeira Leite, uma herança que chegou a valer o equivalente a US$ 1 bilhão, hoje se encontra em ruínas, com instituições fechadas, patrimônio desaparecido e uma série de disputas judiciais e políticas que desvirtuaram por completo o desejo da benfeitora.

De baronesa do café a filantropa em Paris

Nascida em uma família de barões do café, Eufrásia Teixeira Leite se tornou uma das mulheres mais ricas do país durante o reinado de Dom Pedro II. Com a morte do pai, ela se mudou para Paris, onde triplicou sua fortuna com investimentos astutos em ferrovias e mineração, tornando-se a primeira mulher a pisar na Bolsa de Valores de Paris.

Em uma de suas viagens, conheceu o grande amor de sua vida, o abolicionista Joaquim Nabuco. O romance durou mais de dez anos, mas não terminou em casamento porque Nabuco não aceitou a condição imposta por Eufrásia: a separação total de bens.

Eufrásia morreu sem herdeiros diretos e, em seu testamento, destinou toda a sua colossal fortuna a obras de filantropia em sua cidade natal, Vassouras. No entanto, antes que os recursos chegassem ao destino, dois terços do patrimônio simplesmente desapareceram durante o processo de inventário. Itens valiosos, como o apartamento de luxo ao lado da Champs-Elysées em Paris e uma coleção de obras de arte, sumiram sem deixar rastro.

O sonho filantrópico e seu lento colapso

Com o que restou da fortuna, foi criada uma Irmandade para administrar o legado. O dinheiro foi investido em duas instituições que se tornaram pilares de Vassouras: o moderno Hospital Eufrásia Teixeira Leite e o tradicional colégio Regina Coelli, instalado em um deslumbrante parque.

O impacto dessas instituições na cidade era profundo. Estima-se que 50% dos vassourenses tenham nascido no hospital que levava seu nome, e que 50% das mulheres da cidade tenham estudado no Regina Coelli. Além disso, o Senai mantinha uma escola técnica para formação de cervejeiros em outro conjunto de prédios da Irmandade.

Quase um século após a morte de Eufrásia, porém, o cenário é de completo abandono. Todas essas instituições estão fechadas, sem cumprir a missão de cuidar da saúde e da educação dos conterrâneos, conforme desejava a benfeitora. Resta apenas um valioso patrimônio imobiliário localizado nas áreas mais nobres da cidade.

Uma cadeia de decisões controversas e disputas internas

O colapso do legado começou com uma decisão política. Fontes da Prefeitura de Vassouras, que pediram anonimato, afirmam que o então prefeito Severino Dias descredenciou o hospital da Irmandade para receber verbas do SUS, com o objetivo de favorecer outra unidade de saúde da cidade.

Sem o repasse de recursos públicos, a Irmandade viu-se obrigada a fechar as portas do hospital. A juíza Flavia Beatriz Bastos de Oliveira determinou que o ex-prefeito recredenciasse a unidade, sob multa diária de R$ 5 mil. Severino Dias, no entanto, ignorou a decisão judicial, o que, segundo as fontes, configurou um "crime de lesa-cidade".

Paralelamente, a Irmandade mergulhou em uma crise interna. A ex-provedora Soraia Abineder foi destituída do cargo em julho de 2025 pelo Conselho da instituição, acusada de vender patrimônio imobiliário da entidade – acusações que ela nega. Foi Soraia quem moveu a ação contra o ex-prefeito.

Em seu lugar, assumiu provisoriamente Maria Thereza do Carmo Wenke Motta, que marcou eleições para escolher um novo provedor – sendo ela mesma candidata. Soraia Abineder conseguiu suspender a eleição na Justiça, alegando que Maria Thereza incluiu ilegalmente 30 novos eleitores para garantir sua vitória. A ex-provedora ainda divulgou uma nota de repúdio contra o que chamou de "golpe baixo" para sua remoção.

Um legado bilionário reduzido a escombros e processos

Sem renda para custear seus objetivos filantrópicos após o fechamento do hospital, a Irmandade acumulou dívidas tributárias e passou a enfrentar uma enxurrada de ações trabalhistas. O fechamento da escola técnica do Senai foi mais um golpe.

O resultado final é a destruição sistemática do legado da que foi uma das mulheres mais ricas do Brasil. Vassouras não só perde serviços essenciais de saúde e educação, como também vê um capítulo fundamental de sua história ser apagado. A promessa filantrópica de Eufrásia Teixeira Leite, feita há quase cem anos, foi corroída por uma combinação de má gestão, disputas de poder e decisões políticas questionáveis, deixando para trás apenas os escombros de um sonho bilionário.