A relação entre o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF) mergulhou em uma nova e profunda crise na segunda semana de dezembro de 2025. Duas decisões da Corte Suprema reacenderam críticas acaloradas no Parlamento e provocaram reações que são vistas como retaliação, aprofundando um mal-estar que se arrasta há décadas.
As decisões que inflamaram o conflito
O estopim ocorreu com duas medidas do STF. A primeira partiu do ministro Gilmar Mendes, que, em 10 de dezembro de 2025, atribuiu exclusivamente à Procuradoria-Geral da República (PGR) a prerrogativa de pedir impeachment de ministros da Corte. A decisão, embora suspensa pelo próprio ministro dias depois, foi interpretada como uma manobra preventiva contra projetos no Congresso que facilitariam a destituição de magistrados.
A segunda decisão, ainda mais contundente, envolveu a cassação do mandato da deputada Carla Zambelli. O ministro Alexandre de Moraes determinou a perda do mandato mesmo após a Câmara dos Deputados ter votado pela manutenção do cargo, diante de uma condenação com trânsito em julgado. Zambelli renunciou no domingo, 14 de dezembro, um dia antes do cumprimento da ordem.
Raízes de um desequilíbrio histórico
Para o cientista político Carlos Melo, entrevistado no programa Ponto de Vista de 15 de dezembro, o protagonismo político do Judiciário não é um fenômeno recente. Há pelo menos duas décadas, o Congresso começou a se omitir em temas politicamente sensíveis, como aborto em casos específicos e união homoafetiva, transferindo ao STF decisões que geravam desgaste.
“Com isso, a Corte passou a ocupar um espaço que originalmente caberia ao Legislativo”, explica Melo. Esse movimento se intensificou quando partidos derrotados em disputas políticas passaram a recorrer com frequência ao Judiciário, ampliando o papel do STF como árbitro central da vida institucional do país.
O agravamento durante o governo Bolsonaro
O conflito ganhou contornos explícitos e públicos durante o governo de Jair Bolsonaro. O então presidente confrontou diretamente o Supremo, questionando o sistema eleitoral e defendendo mudanças em sua composição. Diante dessas ameaças, o Judiciário, incluindo o TSE e o STF, reagiu atuando de forma mais assertiva na defesa das eleições e da Constituição.
Na avaliação de Carlos Melo, essa reação, embora necessária, acabou por consolidar ainda mais o poder político da Corte, em um contexto onde o Executivo já se encontrava enfraquecido após o impeachment de Dilma Rousseff.
Vácuo de liderança e crise sem fim à vista?
O analista aponta que a atual Câmara dos Deputados vive um momento de desorganização, onde o presidente da Casa, Hugo Motta, não demonstrou força para conduzir negociações complexas com os outros Poderes. Esse vácuo de liderança impede uma repactuação do equilíbrio institucional.
O resultado é um ciclo perigoso de decisões, reações e retaliações. A recusa da Câmara em cassar o mandato de Zambelli, por exemplo, descumpriu a lei e forçou a intervenção direta do STF, reforçando a percepção de confronto aberto.
Para Carlos Melo, o embate “não é surpreendente — ele está posto há muito tempo”. A novidade é a intensidade e a falta de mecanismos políticos para administrá-lo. Sem lideranças capazes de arbitrar interesses, o país assiste a uma escalada que aprofunda a instabilidade, em um ambiente que o próprio analista descreve como de “grande confusão”.
Enquanto isso, eventuais tentativas de recomposição institucional podem migrar para o Senado, que ainda preserva alguma capacidade de articulação. No entanto, sem um caminho claro de diálogo, a tensão entre Congresso e STF segue como uma ferida aberta na democracia brasileira.