O cenário político da direita brasileira passa por uma reconfiguração silenciosa a menos de onze meses das eleições de 2026. Diferente da primeira leva de dissidentes que confrontou abertamente Jair Bolsonaro e pagou o preço com o ostracismo político, uma nova geração adota estratégia mais cautelosa para assumir protagonismo sem romper definitivamente com o ex-presidente.
Nova estratégia de dissidência
Enquanto figuras como Joice Hasselmann e Janaina Paschoal despencaram de milhões de votos para a insignificância eleitoral após colidirem frontalmente com o clã Bolsonaro entre 2019 e 2022, o movimento atual mantém reverência ao ex-presidente enquanto se apresenta publicamente com um perfil mais moderado.
A união do centrão - grupo de centro-direita que controla o Congresso - com boa parte do empresariado e do mundo financeiro em torno do nome de Tarcísio de Freitas representa a face mais visível desse redesenho. O governador de São Paulo pelo Republicanos tornou-se o preferido desses setores para enfrentar Luiz Inácio Lula da Silva em 2026.
Outros governadores de direita também correm por fora nessa disputa pela liderança, formando um grupo que inclui Ronaldo Caiado (União Brasil-GO), Ratinho Jr. (PSD-PR), Romeu Zema (Novo-MG) e, mais recentemente, Claudio Castro (PL-RJ), que viu sua popularidade melhorar após operação policial contra o Comando Vermelho no Rio.
Resistência da família Bolsonaro
Enquanto isso, os filhos mais velhos de Bolsonaro travam uma batalha para manter o bastão da direita nas mãos da família. O senador Flávio Bolsonaro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro e o vereador Carlos Bolsonaro, todos do PL, trabalham para passar a imagem de que o bolsonarismo tem dono e hierarquia e não está aberto à sucessão.
Flávio Bolsonaro já avançou em movimentos para se lançar candidato à Presidência da República, cenário considerado pesadelo para o centrão e seu plano de unificar a direita em torno de Tarcísio.
Em entrevista à Jovem Pan, Eduardo Bolsonaro manifestou preocupação com pessoas na direita tentando se passar pelo que não são. "Ao se retirar o Jair Bolsonaro da equação, não encontra-se um outro líder que aglutine todo mundo", afirmou, frisando que vai estar no campo oposto ao de Lula em 2026, mas que não quer "que as pessoas levem gato por lebre".
Alvos das críticas
As cobranças da família Bolsonaro têm endereço certo: Tarcísio em especial, mas também os demais governadores de direita - acusados de agirem como "ratos" - e outras figuras como o ex-ministro Ricardo Salles (Novo) e o deputado federal Nikolas Ferreira (PL).
Nikolas, campeão de votos à Câmara dos Deputados em 2022 com grande presença nas redes sociais, é frequentemente acusado de não usar todo seu prestígio para defender o ex-presidente. Em postagem compartilhada por Eduardo Bolsonaro no início do mês, o deputado foi acusado de querer se livrar de Bolsonaro e liderar uma dissidência com políticos mais jovens.
O entorno da família Bolsonaro critica Nikolas por não usar seu alcance para pressionar pela reversão da situação do ex-presidente. Em resposta, o deputado mineiro postou em seu Instagram uma junção de vídeos ao lado de Jair Bolsonaro, que teve mais de 15 milhões de visualizações.
Lições do passado
Fabio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação do governo Bolsonaro, resume o dilema: "Se ficar carimbado de traidor, os votos evaporam". Ele lembra que nesses três anos e meio de perseguição ao presidente, ficou evidente quem esteve ao lado dele e quem não esteve.
A experiência anterior serve de alerta para a nova geração. Joice Hasselmann, que foi de 1 milhão de votos em 2018 para apenas 13.679 em 2022, é exemplo dramático do que pode acontecer a quem rompe abertamente com Bolsonaro. Casos similares ocorreram com Alexandre Frota, Janaína Paschoal, João Doria, Wilson Witzel e outros que integraram a primeira debandada.
O atual modelo de sucessão teve sua semente plantada na eleição para a Prefeitura de São Paulo em 2024, quando Pablo Marçal quase desbancou o nome oficial do bolsonarismo, o prefeito Ricardo Nunes. Ali ficou demonstrado que, dependendo do perfil e da forma como a dissidência ocorre, não há necessariamente morte eleitoral ao descumprir ordens de Bolsonaro.
Dilemas e perspectivas
Lindbergh Farias, líder da bancada do PT na Câmara, analisa que os bolsonaristas enfrentam um dilema persistente: "Se eles passam o bastão para alguém antes, para o Tarcísio, eles colocam o Bolsonaro no ostracismo total, isso dificulta a eleição de uma bancada de deputados de extrema-direita".
O petista revela que conversou com alguns bolsonaristas que expressaram medo de serem engolidos pelo centrão. "Você está vendo uma tentativa de desgarramento de parte desse grupo aí do Bolsonaro. E eu acho que turma do Bolsonaro vai dizer não", completou.
Tanto Nikolas Ferreira quanto Tarcísio de Freitas receberam autorização do ministro Alexandre de Moraes para visitar Bolsonaro nas próximas semanas, em movimentos que serão acompanhados com atenção por todos os lados desse complexo xadrez político.
Com o ex-presidente preso e condenado, a segunda leva de dissidentes tem a vantagem de não enfrentar Bolsonaro no poder e com boa perspectiva de reeleição, como ocorreu com a primeira geração. Resta saber se conseguirão equilibrar o ato de herdar seu capital eleitoral sem carregar o estigma da traição que tanto prejudicou seus antecessores.