O Senado Federal aprovou, em duas votações, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que estabelece o marco temporal para a demarcação de terras indígenas no Brasil. A medida, que fixa outubro de 1988 como data de referência, contraria decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) e coloca em risco a posse de dezenas de territórios tradicionais, especialmente no estado do Acre.
O que diz a PEC e quais são os votos
A PEC foi aprovada em primeiro turno com 52 votos a favor e 14 contra. Na segunda votação, o placar foi de 52 votos a favor e 15 contra. Todos os três senadores representantes do Acre votaram a favor da proposta. O texto segue agora para análise da Câmara dos Deputados.
Na prática, a regra determina que apenas os povos que já estivessem ocupando suas terras na data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, teriam direito à demarcação. Comunidades que não conseguirem comprovar essa ocupação na data específica ficam vulneráveis à expulsão de seus territórios.
Impacto direto no Acre: 34 terras na mira
Uma análise detalhada mostra que pelo menos 34 terras indígenas no Acre podem ser questionadas caso o marco temporal seja incorporado à Constituição. A lista inclui áreas homologadas após 1988, processos de demarcação incompletos e territórios ainda sem reconhecimento formal.
Entre as terras que podem ser afetadas, estão:
- Alto Rio Purus (homologada em 1996)
- Ashaninka do Rio Amônia (1992)
- Arara do Rio Amônia (2023)
- Rio Gregório (2023)
- Kaxinawá do Rio Muru (não homologada)
- Terra Indígena São Paulino (não homologada)
O estado do Acre, segundo o Censo 2022 do IBGE, reúne uma rica diversidade sociocultural, com 80 etnias indígenas e 31.699 pessoas indígenas. Feijó concentra o maior número absoluto de indígenas (2.345), enquanto Rio Branco possui a maior diversidade, com 51 etnias e 25 línguas faladas.
Conflito institucional: Senado versus Supremo
A aprovação da PEC no Senado acirra um conflito institucional com o Poder Judiciário. Em 2023, o STF considerou inconstitucional a aplicação do marco temporal para demarcações. Apesar disso, o Congresso Nacional transformou em lei um projeto que valida justamente o argumento vedado pela Corte Suprema.
Recentemente, o ministro do STF Gilmar Mendes votou para declarar inconstitucional o trecho da lei sobre o marco temporal. Seu posicionamento foi acompanhado pelos ministros Flávio Dino e Cristiano Zanin, formando um placar preliminar de 3 a 0 pela derrubada da regra. O tema ficará em deliberação na página do Supremo até esta quinta-feira (18), a menos que haja pedido de vista ou de destaque para votação no plenário presencial.
O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) já se manifestou, classificando a PEC como um retrocesso institucional grave que viola direitos originários, considerados anteriores ao próprio Estado. O órgão alerta que a regra desconsidera os modos de vida tradicionais dos povos, aumenta a instabilidade jurídica e pode favorecer conflitos e ameaças contra as comunidades.
A disputa pelo marco temporal coloca em jogo não apenas a segurança jurídica de centenas de territórios, mas também a proteção de culturas, línguas e modos de vida ancestrais, em um embate histórico entre visões de desenvolvimento e direitos fundamentais.