O ambicioso tratado de livre-comércio entre a União Europeia e o Mercosul, negociado por mais de duas décadas, encontra-se novamente em águas turbulentas. Quando a assinatura parecia iminente, marcada para o sábado, 20 de dezembro de 2025, um novo e decisivo obstáculo surgiu: a resistência da Itália.
A hesitação italiana e o peso demográfico
A primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, declarou que seria "prematuro" assinar o acordo neste momento. Embora tecnicamente não seja um veto, o posicionamento de um dos países mais populosos da União Europeia tem um peso enorme. Pelas regras do Conselho da UE, é necessário o apoio de pelo menos 15 dos 27 Estados-membros que, juntos, representem 65% da população do bloco.
Como o terceiro país mais populoso da UE, a Itália tornou-se, assim, o fiel da balança. Sua hesitação coloca o tratado à beira de um bloqueio que, até recentemente, parecia improvável. A Itália se soma assim a França, Polônia e Hungria, formando um grupo de resistência sólido dentro do bloco europeu.
O discurso de Meloni e os temores do setor agrícola
Diante do Parlamento italiano, Giorgia Meloni reafirmou o compromisso do país com o comércio internacional, mas estabeleceu uma condição clara. O aval da Itália depende de "garantias adequadas de reciprocidade" para o seu setor agrícola.
O argumento reflete a preocupação dos agricultores italianos, que temem não conseguir competir com produtos sul-americanos como carnes, grãos e açúcar, produzidos a custos mais baixos e sob regras ambientais e sanitárias diferentes. Este receio ecoa fortemente em Paris, onde a França lidera a oposição ao acordo.
Apesar da firmeza, Meloni não fechou totalmente as portas. Ela afirmou estar "muito confiante" de que as condições para a assinatura poderão existir no início de 2026, mantendo uma postura flexível nas negociações.
Um acordo estratégico e as salvaguardas em jogo
Este tratado, negociado ao longo de 25 anos, criaria a maior zona de livre-comércio do mundo. Para a União Europeia, significaria ampliar as exportações de setores como automóveis, máquinas, vinhos e bebidas alcoólicas. Para o Mercosul, facilitaria o acesso de suas commodities agrícolas ao mercado europeu.
Ciente da resistência, o Parlamento Europeu já aprovou o texto acompanhado de um pacote de salvaguardas. Os mecanismos permitem limitar importações em três cenários principais:
- Se os preços dos produtos do Mercosul ficarem pelo menos 5% abaixo dos preços europeus.
- Se houver quedas de preço superiores a esse patamar em relação ao ano anterior.
- Se o volume importado crescer mais de 5% em um único ano.
A mensagem é que o acordo não é um cheque em branco. No entanto, para os críticos, liderados por França e agora pela Itália, essas garantias ainda estão longe de ser suficientes para proteger seus produtores.
Enquanto isso, países como Alemanha e Espanha, assim como a Comissão Europeia, veem no pacto com o Mercosul uma oportunidade estratégica crucial para diversificar mercados, fortalecer laços com a América do Sul e reforçar a posição global da UE. O impasse atual coloca em evidência, mais uma vez, as profundas contradições da política comercial europeia.