Em um mundo marcado pela velocidade e pela superficialidade, a moda pode ser muito mais do que uma simples expressão de estilo. É essa a tese central do recém-lançado livro “Tempos de Exceção: ensaios sobre o contemporâneo”, do pesquisador, mestre em Filosofia e curador Brunno Almeida Maia. A obra, publicada em dezembro de 2025, propõe uma análise profunda do vestir, do gesto e da imagem como chaves fundamentais para decifrar as complexidades do nosso tempo.
A moda como linguagem e arquivo do presente
Organizado em 23 ensaios, o livro costura teoria crítica, literatura e pensamento estético para responder a uma pergunta urgente: como habitar o presente quando o tempo parece permanentemente desalinhado? Para Maia, a resposta pode estar na forma como nos vestimos e nos apresentamos ao mundo. “A moda é uma forma de pensamento que se escreve no corpo”, afirma o autor. Ela atua, em sua visão, como um registro quase inconsciente das tensões históricas, dos desejos e dos medos de uma época, funcionando como um arquivo sensível.
Inspirado pelo pensamento do filósofo Walter Benjamin, Maia enxerga a moda como uma alegoria do tempo e uma expressão contraditória da modernidade. Ela carrega a promessa do novo, mas também se alimenta de repetições incessantes. “A moda vive dessa tensão: ela promete singularidade enquanto reproduz formas”, escreve o pesquisador. É nesse atrito constante, segundo ele, que a subjetividade contemporânea se constrói e, ao mesmo tempo, se desgasta.
Do dandismo à fotografia: gestos de resistência
Uma das figuras centrais analisadas na obra é a do dândi. Mais do que um estilo vestuário associado ao século XIX, o dandismo é apresentado por Maia como um gesto crítico e uma insurgência silenciosa contra o tempo produtivista e a demanda por transparência total. “O gesto dândi não é fuga, é desacordo”, observa o autor. “Ele afirma a forma como resistência.”
A obra também dedica atenção especial à fotografia de moda, com destaque para a análise da produção de Irving Penn. Para Maia, as imagens de Penn vão além da captura de tendências passageiras. Elas conseguem suspender o tempo, condensando temporalidades e se tornando figurações tanto do efêmero quanto daquilo que persiste. Dessa forma, a moda se transforma em um exercício de memória, uma verdadeira arqueologia visual do presente.
Corpo, desejo e a possibilidade da delicadeza
“Tempos de Exceção” navega por temas como os álbuns de família, o erotismo e o desejo, forças que, segundo o autor, escapam à lógica fria da mercadoria. A moda emerge como uma narrativa de si, onde o corpo é simultaneamente arquivo e ficção. “Vestir-se é contar uma história que nunca é inteiramente nossa”, reflete Maia. “É sempre um diálogo entre memória, desejo e o olhar do outro.”
Ao deslocar o foco da crítica puramente econômica para a esfera da experiência, o pesquisador formula uma teoria sensível da alienação, abordando um exílio que não é apenas social, mas também existencial. Em uma era de normalização da exceção e perda de interioridade, a moda revela tanto essa carência quanto a possibilidade de resistência simbólica. “Quando tudo tende à homogeneização, o corpo vestido ainda pode produzir fissuras”, escreve. “Pequenos gestos, escolhas mínimas, formas de delicadeza.”
No prefácio do livro, a filósofa Olgária Matos define a obra como uma travessia “da exceção à delicadeza”. “Tempos de Exceção” se firma, assim, como uma aposta no poder do pensamento. Mesmo sob o domínio do efêmero, ele demonstra que as ideias – quando inscritas no corpo, no gesto e na imagem – ainda possuem a força necessária para resistir e propor novos significados.