O presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu vetar 63 dispositivos do projeto de lei do licenciamento ambiental aprovado pelo Congresso Nacional. A medida, classificada como "estratégica" pelo governo, visa preservar a integridade do sistema de licenciamento e atende a reivindicações de ambientalistas e setores do próprio governo.
Os vetos que mudaram o jogo ambiental
Entre os pontos mais sensíveis vetados pelo presidente está a ampliação da Licença por Adesão e Compromisso (LAC) para atividades de médio potencial poluidor. Este dispositivo permitia que o empreendedor atestasse seu próprio laudo para obter a licença, o que representava um risco significativo segundo a avaliação governamental.
O governo justificou que o veto "evita que empreendimentos de risco relevante, como barragens de rejeitos, realizem licenciamento simplificado sem análise técnica adequada". O novo texto que será enviado ao Congresso acrescentará limites ao procedimento autodeclaratório.
Proteção reforçada a biomas e comunidades
Outro veto importante garantiu a preservação do regime de proteção especial da Mata Atlântica. O bioma, reconhecido como patrimônio nacional pela Constituição Federal, mantém seu status de proteção contra a supressão de floresta nativa. O governo destacou que a Mata Atlântica "já se encontra em situação crítica, com apenas 24% de sua vegetação nativa remanescente".
Os direitos de povos indígenas e comunidades quilombolas também foram fortalecidos com os vetos presidenciais. Foram eliminados dispositivos que restringiam a consulta aos órgãos responsáveis pela proteção dessas populações. A medida assegura a participação de povos em fase de reconhecimento pela Funai e Fundação Palmares, prevenindo conflitos e fortalecendo a participação social.
Licença Ambiental Especial: vitória parcial
A criação da Licença Ambiental Especial (LAE) foi mantida, porém com modificações significativas. O presidente vetou o dispositivo que estabelecia um procedimento monofásico, que autorizaria a expedição de todas as licenças ao mesmo tempo. Segundo o governo, o processo monofásico "exigiria dos empreendedores antecipação de despesas relevantes antes mesmo de comprovada a viabilidade ambiental do empreendimento".
Entretanto, Lula assinou uma Medida Provisória que dá eficácia imediata à LAE, que pelo projeto original só entraria em vigor em seis meses. Esta decisão gerou preocupação entre ambientalistas, que veem risco de aceleração do licenciamento de grandes empreendimentos como a exploração de petróleo na foz do Amazonas.
Reações divididas entre os setores
As entidades ambientais receberam os vetos com cauteloso otimismo. Gabriela Nepomuceno, especialista de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil, declarou que "a decisão do governo é uma vitória da mobilização social, como respeito à vontade popular".
Já a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) manteve sua defesa do projeto original, argumentando que o objetivo era "desburocratizar os procedimentos, permitindo que obras importantes para a sociedade possam ter andamento". O grupo citou que mais de 5 mil obras dos setores elétrico, de saneamento e de infraestrutura estão paralisadas por falta de licenciamento.
Do outro lado, Juliano Bueno de Araújo, conselheiro do Conama e diretor do Instituto Internacional Arayara, manifestou "profunda insatisfação com os poucos vetos feitos pelo presidente", criticando especialmente a aprovação parcial da Licença Ambiental Especial.
Próximos passos e batalha no Congresso
A decisão de Lula será devolvida ao Congresso Nacional, que poderá derrubar os vetos presidenciais e restaurar a versão anterior. O governo aposta no diálogo para manter as modificações e vai enviar um novo projeto de lei com urgência constitucional, propondo redações ajustadas para pontos essenciais.
Os bastidores da decisão revelaram intensas negociações no Planalto. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, reuniu-se por dois dias consecutivos com o presidente Lula para debater os vetos. Participaram também das reuniões a secretária de Relações Internacionais, Gleisi Hoffmann; o Advogado-Geral da União, Jorge Messias; e a Secretária-Executiva da Casa Civil, Miriam Belchior.
Marina Silva resumiu a expectativa do governo: "Que o Brasil possa inaugurar um novo ciclo de prosperidade, onde economia não brigue com ecologia". A declaração simboliza o delicado equilíbrio que a administração busca entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental.