Padre Júlio Lancelotti promove almoço de Natal para 80 mil em situação de rua em SP
Almoço de Natal para população de rua em SP com Padre Lancelotti

Na tarde de quinta-feira, 25 de dezembro de 2025, o espírito do Natal ganhou um significado profundo na região central de São Paulo. Enquanto muitas famílias se reuniam em suas casas, a Casa de Oração do Povo de Rua abriu suas portas para celebrar a data com aqueles que vivem nas ruas da capital paulista. O evento contou com a presença marcante do Padre Júlio Lancelotti, figura conhecida e respeitada por sua dedicação incansável a essa população.

Um refúgio em meio à crescente desigualdade

O padre chegou ao local no início da tarde e, antes de servir a refeição, fez uma oração, reforçando o sentido de comunidade. Em sua fala, Lancelotti não escondeu a preocupação com a realidade atual. "Está sendo cada vez mais difícil a situação de polarização que a gente vive, a situação de desafio e de desigualdade", lamentou, destacando que o aumento no número de pessoas vivendo nas ruas torna a cena, ao mesmo tempo cheia de gente, melancólica.

Para ele, a essência do Natal estava ali presente: "acolher aqueles que ninguém acolhe, olhar para aqueles que ninguém olha". O almoço foi servido seguindo uma ordem cuidadosa: primeiro as crianças, depois as mulheres e, por fim, os homens, que representavam a maioria dos presentes. O clima era de respeito e paciência, assemelhando-se a uma grande reunião familiar.

A força do trabalho voluntário e histórias de vida

Muito antes da chegada do padre, a casa já estava em pleno funcionamento graças ao trabalho de voluntários. Na cozinha, dez pessoas se revezavam preparando o farto cardápio natalino, que incluía pernil, arroz, farofa, salada, frutas e panetone. A coordenação do espaço está a cargo de Ana Maria da Silva Alexandre, que há 26 anos atua no local.

Ana Maria descreve a emoção do dia: "Para mim é maravilhoso ver que essas pessoas que não têm uma casa para ir hoje, não têm uma família... a casa é um espaço que está aberto". Ela ressalta que a importância vai além da comida, estando no ato de sentar-se à mesa, conversar e criar laços.

O cenário de 2025, no entanto, deixou marcas difíceis. "Foi difícil, pelas coisas que a gente vê acontecendo. Muita reintegração de posse, muita gente que estava em ocupações e a gente vê voltando para a rua", afirmou a coordenadora, citando também o deslocamento da chamada Cracolândia para as periferias como um problema não resolvido.

Rostos e esperanças por trás dos números

O evento reuniu histórias diversas de quem luta diariamente por dignidade. Ronaldo*, por exemplo, estava há duas semanas de volta às ruas após uma internação e uma recaída no vício depois de dez anos limpo. "Foi um ano difícil, sabe. Mas vai melhorar", disse, enquanto ajudava na montagem de kits de higiene que seriam distribuídos.

O casal Luna de Oliveira, uma mulher trans, e Emerson Ribeiro passava o primeiro Natal juntos. Eles enfrentam a dificuldade de encontrar abrigos que aceitem os dois juntos. Emerson, servente de pedreiro, orgulha-se de estar há mais de um mês sem drogas e busca uma nova chance no mercado de trabalho. O sonho do casal é se organizar, sair das ruas e se casar.

Nilton Bitencourt foi para a rua após a morte da mãe e uma disputa pelo espólio que o fez perder a casa onde morava. Ele trabalha descarregando caminhões na Rua 25 de Março e seu desejo para o ano novo é simples e concreto: "arrumar uma ponte dos dentes, que está frouxa".

Uma mensagem de Natal para a sociedade

O almoço na Casa de Oração do Povo de Rua é um retrato de um problema estrutural. Dados do Observatório da População de Rua apontam que cerca de 80 mil pessoas vivem nessa situação na cidade de São Paulo, número que só aumenta.

Ao final do evento, quando questionado sobre a mensagem mais importante deste Natal, Padre Júlio Lancelotti foi direto: "Enwhile a mudança não vem, seja diferente. Esteja com os pobres". Uma convocação à ação e à solidariedade que ecoa para além das festas de fim de ano.

O almoço de Natal de 2025 terminou, mas a certeza é que, enquanto persistirem a desigualdade, o preconceito e a miséria, haverá necessidade de muitos outros no ano que vem.

* nome fictício para preservar a identidade do entrevistado.