Um forte temporal que atingiu Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, no último fim de semana, provocou mais uma enchente na comunidade Locomotiva, localizada na zona Norte da cidade. De acordo com líderes comunitários, aproximadamente 1.250 moradores foram afetados pelas águas que invadiram as ruas e as casas no sábado, dia 13.
Drama Recorrente na Locomotiva
Vídeos que circularam nas redes sociais mostraram a rapidez com que o nível da água subiu, carregando lixo e entrando nas residências. Para muitos moradores, como Rosineide Jacinto da Silva, a cena é repetitiva. Ela, que vive no local há dez anos, já adota precauções, como colocar os móveis sobre tijolos, mas mesmo assim viu seu sofá ficar encharcado.
“Tem dez anos que eu estou aqui e cada vez está ficando pior a chuva. A gente perde tudo. Eu perdi geladeira, perdi tudo, e estou à mercê de Deus”, desabafa Rosineide. A situação se repete a cada chuva forte, transformando a vida na comunidade em um ciclo de perdas e reconstrução.
O aposentado Vanacir Cassiano Correia relatou que a enchente surpreendeu a todos. “A hora que a enchente desceu aqui, não deu nem meia e encheu tudo. Ela nos pegou de surpresa. Se chovesse mais uns cinco minutos, a coisa ia ficar mais feia ainda”, contou. Em meio ao caos, alguns moradores improvisaram, como um homem que usou uma embarcação caseira para se locomover.
Perdas Materiais e Risco à Saúde
Além dos danos aos móveis, os moradores enfrentam a perda de alimentos e o risco de doenças. A dona de casa Fátima Donizete Barros viu a cozinha inundar e teve que jogar fora todos os mantimentos que estavam molhados pela água suja das ruas.
“Com o pagamento que eu recebi do auxílio, eu comprei [alimentos] e agora molhou. Não tem como fazer. A água que vem da rua é muito suja, então não tem como fazer para comer a comida. Tem muita bactéria na água, muita sujeira”, explicou Fátima, destacando a gravidade do problema que vai além dos prejuízos materiais.
Falta de Solução e Crítica de Especialista
A comunidade Locomotiva abriga cerca de 370 famílias, o que equivale a aproximadamente 2,5 mil pessoas. O líder comunitário Platinir Nunes critica a demora em resolver a situação: “Isso é uma novela cantada. Há dez anos vem acontecendo e precisava resolver urgente. Já vamos entrar no 11º ano e a fala é a mesma”.
A Prefeitura de Ribeirão Preto atribui os alagamentos ao fato de o terreno ser baixo. A Secretaria Municipal de Infraestrutura tem equipes fazendo limpeza, mas, segundo o subsecretário Eduardo Greggi, não há um plano concreto ou previsão para uma obra de contenção que impeça a água de chegar às casas.
O sociólogo Gabriel Papa analisa a situação como gravíssima, questionando a falta de ação do poder público. Ele lembra que o direito à moradia digna é constitucional e cobra análises técnicas e projetos de infraestrutura ou realocação para áreas menos vulneráveis.
A administração municipal informou que, por se tratar de uma ocupação irregular, não é possível executar obras de pavimentação e drenagem na comunidade. Como medida paliativa, a prefeitura afirmou estar trabalhando para minimizar os alagamentos e fez a doação de colchões e cestas básicas para as famílias atingidas.