O chefe-executivo da Epic Games, Tim Sweeney, declarou que as recentes decisões regulatórias contra a Apple, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, estão criando um ambiente digital mais competitivo e devem servir de catalisador para mudanças em toda a América Latina. Em entrevista exclusiva à Folha de S.Paulo, o fundador da empresa por trás do fenômeno "Fortnite" analisou o impacto global da disputa.
Decisões no Brasil e EUA abrem caminho para concorrência
Na terça-feira, 23 de abril, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) formou maioria para validar um acordo com a Apple, encerrando um processo que teve origem em uma denúncia do Mercado Livre. Pelo Termo de Compromisso de Cessação, a gigante de tecnologia se comprometeu a permitir o download de aplicativos fora da App Store oficial e a autorizar o uso de pagamentos alternativos, como o Pix, dentro do ecossistema iOS no Brasil.
Essa decisão veio poucos dias após uma determinação judicial da Corte de Apelação da Califórnia, que considerou que a cobrança de uma taxa de 27% da Apple sobre transações de desenvolvedores tinha um efeito proibitivo à concorrência. "Por anos, a Apple tem adotado a posição de que, se permitir concorrência em lojas e pagamentos, então pode cobrar as taxas que quiser, incluindo taxas que tornam a concorrência impossível. E o tribunal argumentou que o poder de tributar é o poder de destruir", afirmou Sweeney.
Brasil como líder regulatório na América Latina
Tim Sweeney enxerga o movimento brasileiro como fundamental para a região. "Em cada grande região, um país ou grupo de países tomou a iniciativa de liderar o caminho", disse. Ele citou a Coreia do Sul e o Japão na Ásia, e a União Europeia, como exemplos de onde a batalha regulatória está avançada.
"Uma vez que o Brasil regule com sucesso a Apple, acho que o resto, toda a América do Sul seguirá rapidamente", projetou o executivo. Para ele, as decisões tomadas em países-chave levam a mudanças em seus vizinhos, catalisando a regulação regional do mercado digital.
Os termos do acordo no Brasil e o futuro das lojas de apps
O acordo firmado com o Cade tem pontos específicos. A Apple remove a vinculação obrigatória ao seu próprio sistema de pagamentos, permitindo que desenvolvedores assumam a interface e ofereçam métodos alternativos. A empresa também deixa de proibir links para compras em sites externos dentro de apps da App Store.
Uma nova estrutura de comissões foi prevista, com a Apple podendo cobrar até 25% de grandes desenvolvedores e 10% de pequenas empresas em certos casos. A companhia também pode avisar o usuário sobre uma transação externa, mas com linguagem neutra, sem desencorajar o consumidor.
Sweeney rebate o argumento de segurança usado pela Apple, que alega que baixar apps fora da loja oficial cria riscos. "A segurança não vem da loja. Vem do sistema operacional. Os heróis da Apple que tornaram o iOS a plataforma de dispositivos mais segura são os engenheiros do sistema operacional", argumentou. Ele acredita que mais lojas de aplicativos levarão a uma maior competição também no fornecimento de segurança.
Um novo mercado competitivo para jogos e apps
O CEO da Epic Games visualiza um futuro onde o ecossistema iOS se assemelhará ao modelo aberto do Windows, da Microsoft. "Finalmente haverá um mercado de jogos. Tivemos algo como o sistema de distribuição soviético, no qual a loja de aplicativos fornece todos os aplicativos e os usa para manipular tudo a seu favor", comparou.
"Agora, se um desenvolvedor não gostar dos termos do Google ou da Apple, eles poderão vir para a Epic Games Store ou criar sua própria loja, e o mundo será um lugar competitivo novamente", completou Sweeney. Ele espera que as decisões judiciais e regulatórias recentes estabeleçam um precedente global contra taxas abusivas sobre pagamentos e lojas concorrentes.
A Apple, por sua vez, emitiu uma nota discordando do acordo com o Cade, mas afirmou que a solução adotada no Brasil oferece mais salvaguardas à privacidade e segurança do que as medidas implementadas na União Europeia. A batalha entre a Epic Games e a Apple continua em vários fronts pelo mundo, com o jogo "Fortnite" ainda fora dos aparelhos da Apple no Japão, por exemplo.