100 anos da Lei de Férias: o presente de Natal de 1925 que revolucionou os direitos trabalhistas
Lei de Férias completa 100 anos: história do direito

Na véspera de Natal de 1925, há exatamente um século, o presidente Arthur Bernardes assinou um decreto que mudaria para sempre a relação dos brasileiros com o trabalho. Após 14 meses de debates no Congresso Nacional, nascia a primeira lei a garantir ao trabalhador um descanso anual remunerado – um "presente de Natal" que, apesar de inicialmente limitado a 15 dias, inaugurou uma era de conquistas sociais.

Um presente polêmico e uma luta antiga

A chamada Lei de Férias foi publicada em 24 de dezembro daquele ano, mas sua regulamentação só ocorreria dez meses depois. O texto beneficiava "empregados e operários de estabelecimentos comerciais, industriais e bancários, sem prejuízo de ordenado". A Associação dos Empregados no Comércio do Rio de Janeiro comemorou, em nota no Correio da Manhã, definindo-a como uma "bela e pacífica vitória" após mais de 15 anos de reivindicações.

O contexto era de extrema precariedade. As jornadas de 10 a 12 horas diárias eram comuns, não havia proteção social em caso de desemprego e o único descanso garantido era aos domingos. A imprensa da época já ecoava a necessidade da medida. O Jornal do Brasil argumentava que o trabalho ininterrupto prejudicava a saúde e que o repouso beneficiava até os patrões, pois um funcionário descansado seria mais eficiente.

Resistência patronal e um cenário político conturbado

A proposta partiu do deputado carioca Henrique de Toledo Dodsworth Filho, e o relator, Aníbal Benício de Toledo, justificou-a pela "necessidade fisiológica do repouso anual". No entanto, a reação dos empresários foi imediata e negativa. Eles alegavam que pagar um mês sem trabalho levaria empresas à falência. Uma prática comum que surgiu foi a demissão de funcionários antes de completarem 12 meses de serviço, período necessário para ter direito ao benefício.

Segundo a historiadora Bruna Gomes dos Reis, os argumentos patronais iam desde questões de produtividade e custo até um moralismo que considerava que trabalhadores braçais "não teriam nada para fazer em 15 dias". A grande maioria das empresas simplesmente ignorou a lei, já que o governo não criou um órgão fiscalizador eficaz.

Para a cientista política Mayra Goulart, a lei surgiu em um momento de transformação do capitalismo brasileiro, com urbanização, expansão do trabalho assalariado e aumento dos conflitos sociais, influenciado internacionalmente pela Revolução Russa. O governo Bernardes, marcado por estado de sítio, revoltas militares como o tenentismo e forte repressão, via na concessão seletiva de direitos uma forma de reduzir tensões e ampliar sua base de apoio, sem alterar a estrutura do regime.

O caminho até a CLT e o legado atual

A consolidação efetiva dos direitos só viria na década de 1930, com Getúlio Vargas. A criação do Ministério do Trabalho (1932), da Justiça do Trabalho (1941) e, principalmente, da Consolidação das Leis do Trabalho – a CLT (1943) – institucionalizou a fiscalização e ampliou a proteção, ainda que focada no trabalhador urbano.

Gradualmente, o direito às férias foi expandido: saltou para 20 dias em 1949 e para os atuais 30 dias em 1977. A Constituição de 1988 acrescentou o direito ao adicional de um terço do salário. A lei de 1925, portanto, foi um marco fundador, um ponto de partida para conquistas posteriores.

Goulart ressalta que o discurso empresarial da época, de que a lei "quebraria o país", é um argumento que se repete historicamente contra a ampliação de direitos. Já Reis defende que a efeméride serve para lembrar que os direitos trabalhistas nunca são uma garantia permanente e que a legislação, sozinha, não é suficiente – é necessária vigilância e organização contínuas para defendê-los.