UE desiste de usar reservas russas congeladas para empréstimo de €90 bi à Ucrânia
UE desiste de usar reservas russas para empréstimo à Ucrânia

Após semanas de intensas discussões, a União Europeia (UE) decidiu, nesta sexta-feira (19), abandonar o polêmico plano de usar reservas russas congeladas na Bélgica como garantia para um empréstimo de € 90 bilhões (cerca de R$ 585 bilhões) destinado a apoiar a Ucrânia. A quantia, essencial para que o governo de Volodimir Zelenski feche suas contas em 2026 e 2027, será agora proveniente de fundos europeus já existentes.

Derrota política e um plano engenhoso abandonado

A decisão, tomada durante a reunião do Conselho Europeu em Bruxelas, representa uma derrota para líderes como o chanceler alemão, Friedrich Merz, que defendiam a medida como um sinal claro ao presidente russo, Vladimir Putin. O primeiro-ministro polonês, Donald Tusk, havia alertado que a Europa enfrentava "uma escolha entre dinheiro hoje ou sangue amanhã".

O esquema, proposto na semana passada pela Comissão Europeia, era engenhoso. Visava utilizar cerca de metade dos € 180 bilhões que o Banco Central russo mantém na custodiante belga Euroclear. Com o congelamento desses ativos devido às sanções, os rendimentos ficavam com a Euroclear. A ideia era que a instituição passasse a investir o valor em títulos emitidos pela Comissão, que, por sua vez, usaria o dinheiro para emprestar à Ucrânia.

A condição era que Kiev só devolveria o empréstimo quando a Rússia pagasse reparações de guerra, uma premissa considerada frágil. "Quando explicamos o texto novamente [aos colegas], havia tantas questões que eu disse: 'Eu te falei, eu te falei'. Há muitas pontas soltas. Se você começar a puxá-las, a coisa toda colapsa", afirmou o primeiro-ministro belga, Bart de Wever, que liderou a resistência ao plano.

Riscos legais e oposição política travam a proposta

O principal obstáculo foi o risco jurídico. Moscou já prometeu contestar qualquer uso de seus ativos congelados na Justiça, e a premissa de que a Rússia perderia a guerra ou aceitaria pagar reparações não se concretizava no horizonte visível. Se o conflito terminasse sem indenizações, os tesouros nacionais dos países-membros teriam que honrar a dívida com a Euroclear após 2027.

Além disso, países com governos mais próximos de Moscou, como Hungria e Eslováquia, se opuseram por motivos políticos. "A Eslováquia não fará parte de nenhum empréstimo militar para a Ucrânia e rejeita qualquer financiamento porque não acreditamos numa solução militar para o conflito", declarou o premiê eslovaco, Robert Fico.

Havia ainda o temor de retaliações contra os US$ 127 bilhões em ativos que cerca de 2.000 empresas europeias ainda mantêm na Rússia, apesar das sanções.

Novo caminho e reações

Com a mudança de planos, a UE se comprometeu a fornecer o apoio financeiro através de seus fundos próprios. O presidente do Conselho Europeu, o português António Costa, tentou manter as aparências: "Nós nos comprometemos e entregamos. A UE se reserva o direito de fazer uso dos ativos imobilizados", afirmou, em referência aos recursos russos que permanecem congelados.

Enquanto isso, a Comissão Europeia determinou que o congelamento dos ativos russos seja indefinido, deixando de ser renovado a cada seis meses. Do lado ucraniano, Zelenski celebrou a garantia dos recursos. "É um apoio significativo. É importante que os ativos russos permaneçam imobilizados", disse.

Além dos € 90 bilhões em discussão, a UE ainda tem € 29,2 bilhões em recursos russos congelados fora da Bélgica. Outros € 80,3 bilhões em reservas sancionadas estão em países não membros do bloco, como Reino Unido, Japão e Estados Unidos.