Savonarola: ascensão e queda do frade que desafiou o papa e criou a fogueira das vaidades
A história de Savonarola, o frade radical de Florença

Passados mais de cinco séculos, a figura austera de Girolamo Savonarola ainda exerce um fascínio sombrio. O frade dominicano que, no final do século XV, ascendeu ao poder absoluto em Florença, deixou um legado que serve como alerta atemporal sobre os perigos do radicalismo e da concentração de poder. Sua história, marcada por um projeto de purificação moral extrema e um confronto direto com as maiores autoridades de sua época, terminou de forma trágica, mas seu eco ressoa na história como uma poderosa parábola.

O sonho da Nova Jerusalém em Florença

Nascido em Ferrara, mas com a carreira feita em Florença, Savonarola não buscava riqueza ou poder convencional. Movido por uma crítica legítima à corrupção na Igreja e ao estilo de vida libertino da elite florentina – especialmente da influente família Médici –, seu objetivo era monumental: transformar Florença na "Nova Jerusalém". Ele acreditava na iminência do apocalipse e via na cidade o epicentro de uma reforma que purificaria toda a cristandade.

Para isso, implementou o que considerava uma república perfeita e puritana, um "governo largo" com base popular que visava expurgar os pecados da cidade. Seu modelo, no entanto, seria posteriormente rejeitado por outro famoso florentino, Nicolau Maquiavel, que via com ceticismo tal projeto. O método mais emblemático e radical de Savonarola ficou conhecido como a "fogueira das vaidades".

A fogueira das vaidades e a radicalização

Em praça pública, Savonarola ordenava a queima de tudo que considerava um desvio da devoção a Deus. Nas chamas, sumiam objetos que faziam de Florença um berço do Renascimento: quadros e esculturas de temas profanos, livros não religiosos, instrumentos musicais, jogos, perfumes, roupas luxuosas e espelhos. Era uma purificação pelo fogo, um precedente dos excessos que vertentes fundamentalistas de várias religiões praticariam séculos depois.

Sua radicalização não conhecia limites. Quando o papa Alexandre VI (Rodrigo Borja) tentou atraí-lo a Roma, oferecendo-lhe inclusive o cardinalato, Savonarola teria respondido: "Um chapéu vermelho? Quero um chapéu de sangue". Ele proclamou Florença uma teocracia com Cristo como rei, baseando seu governo em visões místicas e profecias cada vez mais extremas, que prometiam à cidade o domínio do mundo.

A queda: excomunhão, tortura e a fogueira final

Obviamente, esse projeto não poderia durar. A resistência interna era forte, com facções como os Arrabbiati (os furiosos) se opondo ao frei, e os antigos apoiadores, como os Brancos, se arrependendo. A pressão sobre o Vaticano aumentou. Em 12 de maio de 1497, o papa Alexandre VI excomungou Savonarola.

O fim foi rápido e brutal. Após um tumulto em torno de uma falhada "prova de fogo" que deveria testar sua inocência, Savonarola foi preso. Sob tortura, confessou ter inventado as visões e profecias. Em 23 de maio de 1498, ele e dois outros dominicanos foram enforcados e queimados na Piazza della Signoria. Suas cinzas foram jogadas no rio Arno para evitar peregrinações. Os Médici retomaram o poder.

O legado paradoxal de um radical

A história, como sempre, reavaliou seu papel. Martinho Lutero o viu como um precursor da Reforma Protestante, e alguns nacionalistas italianos do século XIX o tomaram como inspiração. O historiador Ludwig Pastor, católico, analisou seu regime como um "terrorismo" insuportável, onde o profeta acreditava que ninguém seria bom cristão se não acreditasse nele.

Savonarola se tornou o arquétipo do revolucionário devorado por sua própria revolução, do pregador engolido por seu radicalismo. Seus "olhos frios", como descreve a historiadora Vilma Gryzinski, continuam a nos contemplar, lembrando-nos dos perigos eternos do fanatismo e da convicção absoluta. No dia seguinte ao Natal, sua história convida a uma reflexão sobre os excessos cometidos em nome da fé e do poder.