Um momento de profunda emoção e simbolismo marcou o último sábado (20) na Basílica de Nossa Senhora Aparecida, em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo. Após 36 anos de união, Sérgio Augusto de Paula, 69 anos, aposentado, e Iracema Soares de Paula, 64 anos, costureira, finalmente realizaram o sonho do casamento religioso. O que torna essa celebração ainda mais especial é que ambos são pessoas surdas, e cada palavra da cerimônia foi traduzida para a Língua Brasileira de Sinais (Libras) por uma intérprete, garantindo que o casal vivenciasse plenamente cada instante do sacramento.
Uma Cerimônia de Fé e Inclusão
A celebração foi um verdadeiro testemunho de inclusão e acolhimento. Enquanto o padre proferia as palavras do ritual, a intérprete Simone da Cruz Nascimento de Souza, de 43 anos, transformava cada ensinamento e cada voto em gestos. Com quase duas décadas de atuação na Pastoral dos Surdos da cidade, Simone não vê seu trabalho apenas como uma função. "Foi emocionante. Amo interpretar momentos tão especiais. É sempre uma verdadeira dádiva divina", compartilhou a funcionária pública, que luta pela presença de intérpretes em todos os espaços para garantir liberdade e acolhimento à comunidade surda.
Para Sérgio, era a primeira vez que subia ao altar como noivo. Iracema já havia se casado no civil anteriormente, mas para os dois, o matrimônio na igreja representava a concretização de um desejo antigo, amadurecido ao longo de mais de três décadas de companheirismo. Amigos e familiares presentes não conseguiram conter as lágrimas durante a troca de votos, comovidos com a beleza e o significado do momento.
O Papel Fundamental da Pastoral dos Surdos
A realização desse sonho não teria sido possível sem o apoio essencial da Pastoral dos Surdos de Rio Preto. Fundada em 2 de setembro de 2002 por Leonor Maria Bernardes Neves, hoje com 77 anos, a pastoral nasceu da necessidade de integrar pessoas surdas à vida comunitária da Igreja Católica. "O principal objetivo é evangelizar, mas também orientar para o convívio social, o trabalho e as necessidades do dia a dia", explicou Leonor.
Foi através da pastoral que Sérgio e Iracema receberam orientação sobre o matrimônio e tiveram todo o processo do casamento organizado. Atualmente, o grupo atende cerca de 40 pessoas, oferecendo desde catequese específica em Libras até apoio em situações cotidianas, como acompanhamento em cartórios e orientações sociais. Apesar dos avanços nas políticas públicas, a pastoral segue sendo um pilar de apoio indispensável para a comunidade.
Felicidade Traduzida em Gestos
Em entrevista ao g1, conduzida com a ajuda da intérprete Simone, o casal, que não é letrado em português, expressou sua gratidão e alegria através dos sinais. A mensagem foi clara e comovente: "Todos nós estávamos muito felizes. Amigos e familiares ficaram emocionados ao compartilhar conosco a alegria desse momento tão especial, que foi o nosso casamento na igreja".
A história de Sérgio e Iracema vai muito além de um simples registro civil ou religioso. Ela é um poderoso símbolo de resistência, amor e luta por acessibilidade. Mostra que a realização de sonhos coletivos depende de uma comunidade acolhedora e de estruturas que garantam a participação de todos. O casamento na Basílica de Nossa Senhora Aparecida não uniu apenas duas almas; celebrou também o direito de cada pessoa, independentemente de suas características, de viver plenamente sua fé e sua cidadania.