Quase quinze anos após o terremoto e tsunami que desencadearam o desastre nuclear de Fukushima, o Japão tomou uma decisão histórica e polêmica. Nesta segunda-feira, 22 de dezembro de 2025, a assembleia da província de Niigata aprovou a moção que dá o aval final para a retomada das operações da Usina Nuclear de Kashiwazaki-Kariwa, a maior do mundo em capacidade.
O passo final em meio à divisão pública
A decisão representa o último trâmite necessário após o governador de Niigata, Hideyo Hanazumi, ter dado seu sinal verde no mês passado. O governador, no entanto, aguardava a chancela dos legisladores locais antes de prosseguir. A votação, que ocorreu na última sessão do ano, revelou as profundas fissuras na sociedade japonesa sobre o tema da energia nuclear.
Kashiwazaki-Kariwa, localizada a aproximadamente 220 quilômetros de Tóquio, foi uma das 54 unidades fechadas após a tragédia de 2011. O acidente na usina de Fukushima Daiichi, operada pela Tokyo Electric Power Company (TEPCO), é considerado o pior desastre nuclear desde Chernobyl, em 1986.
Desde então, o Japão reativou 14 dos seus 33 reatores considerados operacionais. A reativação de Kashiwazaki-Kariwa, porém, é simbolicamente mais significativa: será a primeira usina operada pela TEPCO a retomar atividades desde o acidente. A empresa planeja religar o primeiro dos sete reatores do complexo já em 20 de janeiro de 2026, de acordo com a emissora pública NHK.
Entre a segurança energética e o medo da população
Os motivos oficiais para a retomada são claros. O governo japonês, liderado pela primeira-ministra Sanae Takaichi, aposta na energia nuclear para fortalecer a segurança energética do país e avançar nas metas de descarbonização. Atualmente, o Japão depende de combustíveis fósseis importados, como gás natural liquefeito e carvão, para gerar entre 60% e 70% de sua eletricidade.
Os números são expressivos: no ano passado, o país gastou a astronômica quantia de 10,7 trilhões de ienes (cerca de R$ 375 bilhões) com a importação desses combustíveis. Além disso, apesar do declínio populacional, a demanda por energia deve crescer na próxima década, impulsionada pelo boom dos data centers de inteligência artificial, conhecidos por seu alto consumo.
Para enfrentar esse cenário, o Japão estabeleceu a meta ambiciosa de dobrar a participação da energia nuclear em sua matriz elétrica, dos atuais 10% para 20% até 2040. A capacidade total de Kashiwazaki-Kariwa é de 8,2 gigawatts (GW), suficiente para abastecer milhões de residências. A retomada inicial colocaria um reator de 1,36 GW em operação no próximo ano, com outro de capacidade similar previsto para cerca de 2030. Somente o primeiro reator poderia aumentar o fornecimento para a região de Tóquio em 2%.
Desconfiança e protestos: o legado de Fukushima
Apesar dos argumentos econômicos e ambientais, a sombra de Fukushima ainda é longa. Do lado de fora do edifício legislativo em Niigata, cerca de 300 manifestantes protestaram no frio do inverno japonês. Eles carregavam faixas com mensagens como "Não às armas nucleares", "Nós nos opomos à retomada" e "Apoiem a cidade de Fukushima".
Essa desconfiança é refletida em números. Uma pesquisa encomendada pela prefeitura em outubro revelou que 60% dos moradores de Niigata não acreditam que as condições de segurança para a reativação tenham sido plenamente atendidas. Quase 70% expressaram preocupação com o fato de a TEPCO continuar sendo a operadora responsável.
Em uma tentativa de conquistar apoio local, a TEPCO prometeu injetar 100 bilhões de ienes (cerca de R$ 3,5 bilhões) em Niigata ao longo da próxima década. O porta-voz da empresa, Masakatsu Takata, garantiu o "compromisso firme em nunca repetir um acidente como esse".
O governador Hanazumi, após a votação, foi cauteloso: "Este é um marco, mas não é o fim. Não há fim em termos de garantir a segurança dos moradores de Niigata". Sua declaração sintetiza o dilema japonês: a urgente necessidade de uma energia estável e mais limpa contra o trauma coletivo de um passado recente e a desconfiança em relação ao futuro. O relógio de Kashiwazaki-Kariwa está prestes a ser religado, mas o debate sobre o papel da energia nuclear no Japão está longe de ter um desfecho.