Japão reafirma princípios antinucleares após declaração polêmica de assessor
Japão reafirma princípios antinucleares após polêmica

Uma declaração polêmica feita por um integrante da equipe da primeira-ministra do Japão, Sanae Takaichi, reacendeu o debate sobre o programa nuclear do país e gerou uma reação imediata da Coreia do Norte. O governo japonês, porém, foi rápido em reafirmar seu compromisso histórico com a renúncia às armas atômicas.

Declaração polêmica e reação norte-coreana

Na quinta-feira, a agência de notícias japonesa Kyodo divulgou declarações de um membro não identificado do gabinete de Takaichi, descrito como envolvido na formulação de políticas de segurança. “Acho que deveríamos possuir armas nucleares”, afirmou o assessor, acrescentando que, “no fim das contas, só podemos contar conosco mesmos”.

As palavras, apresentadas como uma opinião pessoal e não discutidas previamente com a primeira-ministra, foram duramente criticadas pela Coreia do Norte. Através de um comunicado do Ministério das Relações Exteriores, citado pela France-Presse (AFP) e divulgado pela agência estatal KCNA, Pyongyang afirmou que a fala revela a ambição nuclear do Japão.

“Não se trata de um lapso nem de uma afirmação impensada, mas reflete claramente a ambição de longa data do Japão pela nuclearização”, disse o governo norte-coreano. A nota alertou que essa ambição “deve ser impedida a todo custo, pois provocará uma grande catástrofe para a humanidade”.

Pyongyang ainda argumentou que, caso o Japão adquira armas nucleares, os países asiáticos sofreriam uma “terrível catástrofe nuclear”. O comunicado não fez qualquer menção ao próprio programa nuclear norte-coreano, desenvolvido em violação a resoluções da ONU e que o regime justifica como uma dissuasão necessária contra ameaças dos EUA e seus aliados, como o Japão.

Crise política doméstica e princípios históricos

Internamente, a declaração causou um terremoto político. O Partido Democrático Constitucional (PDC), principal força de oposição, exigiu a demissão do assessor na sexta-feira. “É extremamente grave que alguém com esse tipo de opinião esteja próximo da primeira-ministra”, criticou o líder do PDC, Yoshihiko Noda, segundo a agência EFE.

Para conter a crise, o governo japonês mobilizou seus principais porta-vozes. O ministro das Relações Exteriores, Toshimitsu Motegi, declarou que a missão de Tóquio é “liderar os esforços da comunidade internacional para alcançar um mundo livre de armas nucleares”.

O porta-voz do governo, Minoru Kihara, garantiu que o Japão mantém os três princípios não nucleares, estabelecidos em 1967 pelo então primeiro-ministro Eisaku Sato e ratificados pelo Parlamento:

  • Não produzir armas nucleares.
  • Não possuir armas nucleares.
  • Não permitir a entrada de armas nucleares em território japonês.

No entanto, Kihara havia admitido em novembro que o Partido Liberal Democrático (PLD), no poder, pretende debater em 2026 uma possível revisão desses princípios, devido às rápidas mudanças no cenário de segurança global.

Cenário de segurança regional em transformação

A polêmica ocorre em um momento de crescente tensão e reavaliação estratégica no Japão. O país, único a sofrer ataques atômicos em Hiroshima e Nagasaki em 1945, percebe um ambiente de segurança cada vez mais complexo.

Nos últimos anos, Tóquio tem visto com preocupação a aproximação entre a Rússia e a Coreia do Norte, considerada a principal ameaça regional. Recentemente, a primeira-ministra Sanae Takaichi comprometeu-se a antecipar a meta de elevar os gastos com defesa para 2% do Produto Interno Bruto (PIB).

As relações com a China também se deterioraram após Takaichi afirmar, em novembro, que um eventual ataque chinês contra Taiwan poderia justificar uma intervenção das Forças de Autodefesa do Japão. Essa conjuntura de incertezas alimenta debates internos, mesmo que oficiais, sobre os limites da doutrina de segurança pós-guerra.

Apesar da firme reafirmação dos princípios antinucleares, a simples existência de um debate sobre o tema no alto escalão do governo japonês é suficiente para acender alertas internacionais e reacender memórias históricas dolorosas na região asiática.