Havaianas na política: como um chinelo virou símbolo de disputa ideológica
Propaganda das Havaianas gera reação da direita

A recente polêmica envolvendo a propaganda das sandálias Havaianas, estrelada pela atriz Fernanda Torres, vai muito além de uma simples campanha publicitária. O episódio, ocorrido no final de dezembro de 2025, escancara um fenômeno que se consolidou nos últimos anos: a tentativa de apropriação de símbolos considerados universais por parte de um segmento político específico.

A apropriação dos símbolos nacionais

Nos últimos anos, a extrema direita promoveu um processo deliberado de sequestro de ícones que sempre pertenceram a todos os brasileiros. A bandeira nacional, a camisa amarela da seleção de futebol e as comemorações do 7 de Setembro deixaram de ser expressões cívicas coletivas para se transformarem em marcadores ideológicos de um único campo.

Esse movimento atingiu seu ápice durante o governo anterior. As celebrações da Independência, por exemplo, perderam seu caráter cívico e se tornaram atos de intimidação política. O bicentenário foi transformado em palanque para discursos agressivos e antidemocráticos do então ex-presidente. A mensagem transmitida era clara e excludente: quem não estivesse alinhado não era bem-vindo e, pior, não era considerado um "verdadeiro brasileiro".

O caso Havaianas e a vigilância simbólica

O ambiente criado por essa dinâmica é de uma vigilância simbólica constante. Qualquer gesto ou associação que fuja do roteiro imposto provoca reações imediatas e desproporcionais. A controvérsia em torno do comercial das Havaianas segue exatamente essa lógica.

A campanha, veiculada em 30 de dezembro de 2025, nem precisou fazer um discurso político explícito. A simples associação da marca, um produto de consumo massivo, com uma figura pública percebida fora do espectro conservador foi combustível suficiente para gerar uma onda de ataques, boicotes e confrontos verbais nas redes sociais. A indignação, portanto, não estava no produto em si ou na qualidade da propaganda, mas no incômodo de ver escapar o controle sobre mais um símbolo.

O chinelo como território em disputa

Quando tudo vira marcador ideológico, até um item banal do cotidiano, usado por milhões de brasileiros de todas as classes e orientações políticas, se transforma em um campo de batalha. As Havaianas, assim como a bandeira antes dela, passaram a ser tratadas como um território em disputa.

Essa disputa revela a fragilidade do argumento que tenta medir patriotismo por adereços, slogans ou preferências de consumo. No entanto, é essa a lógica que setores do bolsonarismo tentam impor. A discussão sobre as sandálias continua a ecoar nas plataformas digitais enquanto o país se aproxima de um novo ciclo eleitoral, mostrando que a polarização segue ativa e buscando novos focos.

O episódio serve como um alerta sobre a profundidade das divisões e a politização da vida cotidiana. Em um gesto final, o autor da análise original, Matheus Leitão, agradece à atriz Fernanda Torres, destacando o papel de figuras públicas em contestar essas narrativas de apropriação.