A recente declaração pública que classificou o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) como um "câncer" para o desenvolvimento nacional vai além de ser infeliz e discriminatória. Ela revela uma narrativa perigosa que busca deslocar responsabilidades. A verdadeira patologia a ser tratada não está no órgão licenciador, mas na incapacidade crônica do Estado brasileiro de planejar políticas públicas e estruturar grandes projetos com salvaguardas capazes de prevenir danos socioambientais.
O verdadeiro gargalo: projetos frágeis, não licenciamento
O Ibama não formula projetos, não decide a matriz energética e não define a política de expansão da infraestrutura. Sua função é analisar os empreendimentos que chegam até sua mesa. O problema é que esses projetos, quase sempre, chegam incompletos, com estudos frágeis e sem uma gestão adequada de riscos ambientais e climáticos.
A crítica frequente à suposta "morosidade" dos órgãos ambientais não nasce de um excesso de burocracia, mas da baixa qualidade técnica dos estudos apresentados pelos empreendedores. Quando um projeto chega sem análises consistentes, o licenciador é obrigado a notificar e solicitar informações complementares. Essa dinâmica, porém, é invertida na narrativa pública: o órgão que exige o cumprimento da lei é acusado de travar o progresso.
O licenciamento ambiental robusto é, na realidade, a última barreira institucional para evitar que a pressa por resultados se transforme em destruição irreversível. Ele serve justamente para prevenir a judicialização, os embargos e as sanções que decorrem de danos não mitigados.
Exemplos concretos de falha no planejamento estatal
Dois casos emblemáticos ilustram essa desconexão entre o desejo de desenvolver e a necessidade de planejar.
O primeiro é a exploração de petróleo e gás na margem equatorial brasileira. Trata-se de um projeto de alto risco em uma região sensível, com ecossistemas frágeis e a presença de comunidades tradicionais. No entanto, avançou sem uma avaliação estratégica integrada, sem estudo de impacto climático específico para a bacia sedimentar e sem garantir a consulta prévia, livre e informada às comunidades, um direito assegurado pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O segundo exemplo é a Lei 15.190/2025, que reformou o licenciamento ambiental. Apresentada como modernização, a norma simplifica licenças para empreendimentos de médio e grande impacto. Na prática, essa flexibilização:
- Aumenta os riscos de danos socioambientais;
- Enfraquece o principal instrumento de prevenção de litígios;
- Ignora que um licenciamento rigoroso é base da segurança jurídica.
A Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) publicou uma Nota Técnica contundente, apontando a inconstitucionalidade de vários dispositivos desta lei e da Lei do Licenciamento Ambiental Especial. A entidade alerta para violações aos princípios da prevenção, da precaução e ao direito fundamental a um meio ambiente equilibrado.
O papel do STF e o caminho a seguir
A Abrampa conclui que caberá ao Supremo Tribunal Federal (STF) decidir sobre a constitucionalidade dessas mudanças. A Corte já possui jurisprudência firme em defesa da precaução e da prevenção. O julgamento será decisivo para definir se o Brasil opta pela responsabilidade socioambiental ou pelo desmonte das salvaguardas institucionais.
Atacar o Ibama é um desvio de atenção. O foco deve estar na incapacidade do Estado de estruturar projetos que integrem desenvolvimento, respeito ao meio ambiente e proteção às comunidades. Para crescer de forma sustentável, o país precisa abandonar a retórica que transforma o órgão ambiental em vilão e enfrentar seu verdadeiro desafio: planejar com seriedade, técnica e responsabilidade.
As análises refletem a opinião do autor, Ruy Marcelo, procurador do Ministério Público de Contas no Amazonas e mestre em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA).