O ano de 2025 termina com o relacionamento entre o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal em ponto de ebulição. A tensão foi reacendida no domingo, 21 de dezembro, após uma decisão do ministro Flávio Dino que suspendeu a liberação de quase R$ 3 bilhões em emendas parlamentares retidas entre 2019 e 2023.
A manobra parlamentar e a reação do STF
Os recursos foram incluídos por meio de um ardil legislativo em um projeto de lei que, originalmente, tratava apenas de incentivos fiscais e da tributação de apostas esportivas (bets). Aprovado na última semana de trabalho do Congresso em 2025, o texto determinava o pagamento das emendas atrasadas, autorizando o governo a repassar os valores para obras e serviços em municípios indicados pelos parlamentares.
Ao conceder uma liminar suspendendo o artigo, Flávio Dino argumentou que a medida ressuscitaria o chamado "orçamento secreto", considerado inconstitucional pelo STF por falta de transparência. O magistrado também afirmou que o texto invade atribuições exclusivas do Poder Executivo, que são a execução orçamentária e a gestão financeira.
A decisão, ainda provisória e que será analisada pelo plenário da Corte, foi uma resposta a uma ação impetrada pela Rede Sustentabilidade. Lideranças do Congresso reagiram com fúria, classificando a atitude como mais uma interferência indevida do Judiciário e acusando uma suposta parceria com o Executivo – lembrando que Dino foi ministro da Justiça do presidente Lula.
O grande julgamento de 2026 e bilhões em jogo
A liminar é apenas um prelúdio de um embate muito maior que deve dominar 2026. O ministro Flávio Dino é relator de um processo pronto para julgamento que vai decidir sobre a constitucionalidade das emendas impositivas. Por esse modelo, o governo é obrigado a executar os recursos indicados pelos parlamentares.
O sistema movimenta volumes gigantescos: apenas em 2025, deputados e senadores repassaram R$ 50 bilhões a seus redutos eleitorais. Para 2026, a previsão é de que o valor chegue a R$ 61 bilhões. Sem controles rígidos, o mecanismo é um potente propulsor eleitoral e, conforme apontam críticas, alimenta a corrupção.
O julgamento no STF pode inviabilizar um acordo feito entre o Planalto e o Congresso. Para aprovar a Lei de Diretrizes Orçamentárias, o governo se comprometeu a liberar R$ 39 bilhões das emendas impositivas de 2026 ainda antes das eleições. Se a Corte declarar o modelo inconstitucional antes disso, o acordo vai por água abaixo.
Ingredientes extras para a crise institucional
O clima deve ficar ainda mais carregado em 2026 com outros fatores. Investigações da Polícia Federal sobre irregularidades no uso de emendas estão atingindo figuras importantes do Congresso. Recentemente, uma assessora do ex-presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), foi alvo de busca e apreensão.
Além disso, as primeiras condenações criminais estão no horizonte. O ministro Cristiano Zanin, relator de um dos processos sobre o tema no STF, solicitou a marcação da data para o julgamento de uma ação que tem como réus os deputados Josimar Maranhãozinho (PL-MA), Pastor Gil (PL-MA) e Bosco Costa (PL-SE). O trio é acusado de corrupção passiva e organização criminosa, em um esquema que supostamente exigia a "devolução" de 25% dos recursos destinados a prefeituras do Maranhão.
O conflito expõe uma disputa de poder histórica. Até 2015, o Executivo tinha amplo controle sobre a execução das emendas, podendo contingenciá-las e usando isso como moeda de troca política. As emendas impositivas transferiram esse poder ao Legislativo, gerando insatisfação no Planalto, que reclama da perda de controle orçamentário.
Correções no modelo de distribuição de recursos públicos são urgentes para combater distorções e desvios, mas a missão se mostra delicadíssima em um ano eleitoral, com poderes da República em rota de colisão. A vigilância sobre os próximos capítulos dessa crise será essencial.