A relação transatlântica enfrenta sua maior crise em décadas desde o retorno de Donald Trump à Casa Branca. A divulgação da nova estratégia de segurança nacional dos Estados Unidos em 4 de dezembro foi recebida em capitais europeias como uma afronta direta, ao descrever a Europa como um continente "em declínio".
O documento oficial, que todo novo governo americano precisa apresentar ao Congresso, acusou a Europa de "censura" à liberdade de expressão, "opressão aos opositores políticos" e alertou para uma possível "extinção civilizacional" devido aos fluxos migratórios. No entanto, um rascunho não divulgado, obtido pelo portal Defense One, expôs planos ainda mais agressivos e divisivos.
O plano secreto para fragmentar o bloco
De acordo com o vazamento, a estratégia prevê uma intensificação da parceria dos EUA com Itália, Áustria, Polônia e Hungria explicitamente "com o objetivo de separá-los [da União Europeia]". A Casa Branca negou a existência do documento, mas a revelação acendeu um alarme sobre as verdadeiras intenções da administração Trump.
A escolha desses quatro países não é aleatória. A Hungria de Viktor Orbán é o aliado mais óbvio. Orbán foi o único chefe de governo da UE em exercício a endossar Trump em 2016, e sua relação é de mútuo benefício: Orbán desestabiliza uma instituição que Trump desconfia, e em troca recebe apoio político e, segundo rumores, a promessa de uma "proteção financeira" de 20 bilhões de dólares, similar ao acordo com a Argentina.
Já a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, recebeu elogios públicos de Trump. No entanto, analistas como Daniel Hegedüs, do German Marshall Fund, consideram um "equívoco" acreditar que ela se oporia à UE. Meloni tem adotado uma postura pragmática, reconhecendo os benefícios de um bloco estável para a Itália.
Os aliados potenciais e as ausências surpreendentes
Polônia e Áustria, embora não governadas atualmente por populistas de direita no executivo, têm forças políticas eurocéticas extremamente influentes. O Partido Liberal da Áustria (FPÖ) lidera as pesquisas, e na Polônia o partido Direito e Justiça (PiS) mantém grande poder, indicando que a influência de Trump pode crescer nesses países em breve.
O que chamou a atenção de especialistas foi a ausência de dois países: República Tcheca e Eslováquia. Ambos são governados por partidos céticos em relação à UE e com potencial para gerar caos nas decisões europeias, especialmente sobre a Ucrânia. Hegedüs explica que a exclusão se deve a uma visão "idealizada" dos EUA: como o partido ANO, na República Tcheca, e o Smer-SD, na Eslováquia, não têm uma origem clássica de populismo de direita, não foram considerados aliados ideológicos, mesmo que suas políticas possam ser úteis para Trump.
Uma corrosão lenta, não uma saída abrupta
O objetivo final dos Estados Unidos, segundo analistas, não é promover um "Huxit" ou "Italexit" imediato. A estratégia é mais sutil: uma corrosão gradual da integração europeia. Isso seria alcançado através de apoio diplomático, político e financeiro a governos que constantemente desafiem Bruxelas e minem a autoridade coletiva do bloco.
Os primeiros sinais já são visíveis. A Hungria, por exemplo, obteve de Trump uma isenção das sanções americanas às importações de energia russa em novembro. Orbán já declarou que não aceitará a decisão da UE de cortar o gás russo e levará o caso à justiça europeia, garantindo ainda o fornecimento através do gasoduto TurkStream com a Turquia.
Hegedüs prevê que, nos próximos anos, casos de desobediência às regras comuns se multiplicarão, questionando a própria essência do projeto europeu. O resultado seria uma União Europeia progressivamente mais fraca e dividida, podendo, em algum momento, perder sua relevância geopolítica global. A interferência americana em eleições na Alemanha, Romênia e Polônia, sempre apoiando aliados ideológicos que enfraquecem Bruxelas, segue este mesmo padrão destrutivo.