Uma pesquisa inédita realizada com municípios brasileiros trouxe uma conclusão alarmante: a ocorrência de mortes por deslizamentos de terra está diretamente ligada a piores condições socioeconômicas das localidades. O estudo, publicado na Revista de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas (FGV), demonstra que indicadores como Produto Interno Bruto (PIB) mais baixo e altos índices de pobreza resultam em maior mortalidade, mesmo quando a presença de órgãos como a Defesa Civil e instrumentos de prevenção é similar.
Metodologia e foco na região Sudeste
Os pesquisadores analisaram dados de 91 municípios da região Sudeste com população entre 100,1 mil e 500 mil habitantes que registraram deslizamentos em 2020. A escolha se deveu ao fato de a região concentrar a maior parte da população e das áreas de risco do país, sendo que municípios desse porte foram responsáveis por 45% dos óbitos no período. Os dados de mortalidade foram extraídos do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do DataSUS, usando a classificação específica para mortes por deslizamentos (CID X36).
Após parear municípios com características populacionais e de infraestrutura de resposta semelhantes, mas com diferenças socioeconômicas, a análise se concentrou em 31 cidades. Destas, 12 registraram óbitos por deslizamentos e 17 não. A comparação revelou o peso decisivo da vulnerabilidade social.
Vulnerabilidade social é fator crucial
Segundo a pesquisadora Isabela Barbosa, primeira autora do estudo, nos municípios onde houve mortes, a presença de uma população mais pobre ou um PIB menor refletiu em um risco aumentado, mesmo quando existia uma estrutura de proteção contra desastres. "Desastre é vulnerabilidade mais exposição", explica Barbosa, destacando a necessidade de entender essa intersecção para políticas eficazes.
O coordenador da pesquisa, Marcelo Marchesini da Costa, professor do Insper, reforça que os desastres não são fenômenos aleatórios ou puramente naturais. "Todos os desastres têm algum nível de participação humana", afirma, citando que apenas a capacidade estatal de resposta e os indicadores socioeconômicos já mostraram impacto direto na ocorrência de mortes.
Cubatão: um caso de sucesso
O estudo cita Cubatão, na Baixada Santista (SP), como um exemplo positivo. Apesar de estar em uma região de alto risco, a cidade não registrou nenhuma morte por deslizamento entre 2013 e 2020. Enquanto isso, municípios vizinhos como Guarujá, Santos, São Vicente e Praia Grande tiveram vítimas fatais. Os autores atribuem esse resultado ao fato de Cubatão ter um PIB cerca de duas vezes maior e contar com capacidades estatais robustas para alertas e prevenção de riscos.
Os números nacionais são graves: entre 1988 e 2022, ocorreram 4.146 mortes em 959 deslizamentos em todo o Brasil, segundo o Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo. Tragédias recentes, como os 241 mortos em Petrópolis (RJ) em 2022 e as 64 vítimas em São Sebastião (SP) em 2023, escancaram a urgência do tema.
Chamado para políticas públicas integradas
Os pesquisadores alertam contra a culpabilização das vítimas que ocupam áreas de risco, um discurso que consideram "muito cruel". A solução, defendem, passa por uma abordagem ampla que combine o combate à pobreza com o fortalecimento dos sistemas de emergência. Eles também destacam a necessidade de considerar as diferenças raciais e de gênero que afetam os óbitos.
O estudo conclui com um apelo por uma coordenação federativa mais efetiva para direcionar investimentos. A expectativa é que a pesquisa, fruto da dissertação de mestrado de Isabela Barbosa, sirva de base para políticas públicas de proteção socioambiental que integrem o mapeamento de áreas de risco com o de vulnerabilidade social, prevenindo mortes evitáveis.