A celebração do Natal em 25 de dezembro é uma tradição cristã global, mas poucos sabem que essa data provavelmente não marca o nascimento real de Jesus de Nazaré. A busca pela data exata é um quebra-cabeça histórico que envolve cálculos equivocados, estratégias religiosas e a assimilação de festividades pagãs.
As pistas contraditórias dos evangelhos
Para reconstruir a vida de Jesus, os historiadores dependem quase exclusivamente dos evangelhos, escritos décadas após sua morte. As únicas narrativas que mencionam sua infância são os Evangelhos de Mateus e Lucas, redigidos por volta dos anos 80-90 d.C. O problema, segundo especialistas, é que eles apresentam cronologias incompatíveis.
O Evangelho de Mateus situa o nascimento durante o reinado de Herodes, o Grande, que morreu no ano 4 antes de Cristo (a.C.). Isso colocaria o nascimento de Jesus por volta de 4 a 6 a.C.. Já o Evangelho de Lucas vincula o evento ao censo de Quirino, governador romano da Síria, que ocorreu no ano 6 depois de Cristo (d.C.). Há uma discrepância de pelo menos dez anos entre os dois relatos.
O historiador e filólogo Javier Alonso explica que o censo mencionado por Lucas é visto por muitos estudiosos como um "artifício literário". O objetivo seria deslocar a família de Jesus de Nazaré para Belém, cumprindo assim a profecia do Antigo Testamento de que o messias nasceria na cidade do rei Davi.
O erro que definiu nosso calendário
Se as evidências históricas apontam para um nascimento alguns anos antes da era cristã, como chegamos ao ano 1? A resposta está em um monge do século V: Dionísio, o Exíguo.
Por volta do ano 497, Dionísio foi encarregado pelo Papa de calcular a data da Páscoa e, posteriormente, de determinar o ano do nascimento de Cristo. Com base em seus estudos, ele estabeleceu que Jesus nasceu 753 anos após a fundação de Roma, designando o ano seguinte (754) como o ano 1 da era cristã.
"Ele não tinha as fontes que um historiador tem hoje, então fez como Deus o fez entender, e errou", argumenta Javier Alonso. Esse erro de cálculo foi incorporado ao calendário que usamos hoje, explicando por Jesus ter nascido, historicamente, antes de Cristo.
A origem pagã do 25 de dezembro
A fixação da data de 25 de dezembro como Natal nada tem a ver com Dionísio, mas com uma estratégia da Igreja primitiva após se tornar a religião oficial do Império Romano.
O professor emérito Antonio Piñero detalha que, no século IV, o imperador Teodósio estabeleceu o cristianismo como religião exclusiva. A Igreja, então, buscou assimilar festividades pagãs populares para facilitar a conversão. Em 25 de dezembro, o império celebrava a festa do "Sol Invicto", que marcava o solstício de inverno no hemisfério norte — o momento em que os dias começam a ficar mais longos.
"E quem era o sol invencível? Bem, Jesus. É por isso que essa data é cristianizada", explica Piñero. Nesse mesmo período, os romanos também celebravam a Saturnália, uma festa que incluía troca de presentes, decoração com guirlandas e árvores, costumes que foram incorporados às tradições natalinas.
Por que os primeiros cristãos não se importavam com o nascimento?
Um ponto crucial é que, para as primeiras comunidades cristãs, o foco central da fé não era o nascimento, mas a morte e a ressurreição de Jesus. A mensagem original pregava a chegada iminente do Reino de Deus.
"O nascimento de Jesus na religião cristã primitiva não tem importância porque a mensagem original é que Jesus morre pelos pecados da humanidade e ressuscita. Tudo o mais é decorativo", argumenta Alonso.
Foi apenas quando a expectativa da volta iminente de Cristo diminuiu, e as testemunhas oculares foram morrendo, que surgiu a necessidade de registrar e preencher os detalhes de sua biografia, incluindo a infância. Por isso, os relatos do nascimento em Mateus e Lucas são os textos mais tardios entre os evangelhos.
Em resumo, celebrar o Natal em 25 de dezembro é mais um reflexo da rica e complexa história da construção da fé cristã do que um registro histórico preciso. A data é um símbolo de luz e renovação, herdado de tradições antigas e reinterpretado por uma nova fé, cujo núcleo sempre esteve voltado para a mensagem de vida após a morte.