A Justiça da Comarca de Santos, no litoral paulista, determinou o arquivamento definitivo do inquérito policial contra o motoboy Evandro Alves da Silva. Ele foi baleado por policiais militares em agosto de 2023, enquanto estava nu dentro do banheiro de sua casa. A decisão judicial seguiu recomendação do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), que já havia denunciado os três PMs envolvidos por tentativa de homicídio.
Imagens das câmeras corporais desmentem versão da polícia
O caso, ocorrido em 30 de agosto de 2023 no Morro José Menino, em Santos, ganhou um novo capítulo após a análise das filmagens das câmeras corporais usadas pelos agentes. Inicialmente, os policiais alegaram que atiraram contra Evandro porque ele estaria armado e ofereceu resistência. Eles afirmaram ter apreendido um revólver em cima de uma cama no local.
Contudo, as imagens analisadas pelo MP-SP contam uma história diferente. Elas mostram que, no momento da invasão ao imóvel alugado por Evandro, o motoboy estava usando o banheiro e completamente nu quando os disparos foram efetuados. Além disso, as gravações revelam uma inconsistência grave: a arma de fogo só aparece sobre a cama dois minutos após a entrada dos PMs no quarto vazio, onde inicialmente havia apenas um casaco.
Fuga desesperada e sequelas permanentes
Mesmo após ser baleado dentro do banheiro, Evandro conseguiu pular pela janela em um ato de desespero, caindo de uma altura de aproximadamente sete metros nos fundos da casa. Gravemente ferido, ele foi levado ao hospital, onde permaneceu internado por seis dias – todo o período sob escolta policial.
As lesões sofridas na ação policial deixaram sequelas graves. Evandro teve oito costelas fraturadas, perdeu o baço e parte de um pulmão. Uma bala permanece alojada em seu corpo até hoje, conforme detalhado nos autos do processo.
Arquivamento e processo contra os PMs
Em documento assinado em 16 de dezembro, o promotor Fábio Perez Fernandez recomendou o arquivamento do inquérito contra o motoboy. O representante do MP foi enfático ao afirmar que os policiais forjaram a legítima defesa e plantaram a arma de fogo no local para incriminar a vítima.
“Segundo acusação já formalizada, os aludidos policiais forjaram a alegada legítima defesa e inseriram de maneira criminosa ('plantaram') a arma de fogo que atribuem a Evandro. Assim, diante da análise conjunta dos procedimentos investigatórios acima mencionados, conclui-se que Evandro não estava armado, nem resistiu de qualquer forma, apenas fugiu da abordagem policial”, escreveu o promotor.
No dia seguinte, a juíza Andrea Aparecida Nogueira Amaral Roman, da Vara do Júri/Execuções de Santos, acatou a manifestação do Ministério Público e determinou o arquivamento definitivo do caso contra Evandro.
Contexto da Operação Escudo e reação da família
A ação que resultou no tiroteio fazia parte da Operação Escudo, iniciada na Baixada Santista em julho de 2023 após a morte do PM Patrick Bastos Reis. A operação, que resultou na morte de 28 suspeitos em supostos confrontos, foi alvo de diversas denúncias por parte de órgãos de direitos humanos, que relatavam execuções, tortura e abordagens violentas.
Por meio de uma nota, a família de Evandro comemorou a decisão judicial. “Foram meses difíceis, marcados por medo, exposição e sofrimento, vividos por nossa família. Hoje, o sentimento que prevalece é o alívio, a gratidão pela vida e a possibilidade de seguir em frente com dignidade”, declararam.
Eles também afirmaram que continuarão acompanhando o processo criminal movido contra os três policiais militares denunciados por tentativa de homicídio. “Encerra um capítulo doloroso e marca o início de um novo recomeço”, finalizaram, agradecendo ao Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública pelo apoio.