Uma nova etapa na busca por soluções farmacológicas para o desejo sexual feminino foi alcançada. O medicamento Addyi, popularmente comparado a um 'Viagra feminino', acaba de receber uma importante ampliação em sua indicação pela agência regulatória americana, o FDA. A pílula de cor rosa, cujo princípio ativo é a flibanserina, agora está oficialmente aprovada para tratar o transtorno do desejo sexual hipoativo em mulheres na pós-menopausa, um grupo que frequentemente sofre com a queda da libido.
Esta decisão, anunciada em dezembro de 2025, marca um capítulo significativo na longa e tortuosa jornada da droga, que começou a ser desenvolvida como um antidepressivo e só em 2015 obteve sua primeira autorização, ainda que para um público restrito. A nova chancela representa uma vitória para a farmacêutica Sprout Pharmaceuticals e sua CEO, Cindy Eckert, que liderou uma batalha de anos junto ao órgão regulador.
Uma longa estrada até a aprovação
O caminho da flibanserina até as prateleiras foi marcado por controvérsias e rejeições. Inicialmente recusada pelo FDA devido a benefícios considerados modestos e à presença de efeitos colaterais, a droga precisou vencer a resistência das autoridades. Seus efeitos adversos incluem tontura e náusea, e a bula carrega um alerta de caixa preta — o mais grave exigido pela FDA — sobre o risco de quedas perigosas de pressão arterial e desmaios se o comprimido for combinado com consumo de álcool.
Esses fatores contribuíram para que as vendas do Addyi, desde seu lançamento há uma década, permanecessem abaixo das projeções iniciais. A comparação com o sucesso estrondoso do Viagra, lançado em 1998, sempre foi um ponto de discussão, mas especialistas ressaltam que as drogas atuam de formas completamente diferentes.
Como funciona a 'pílula rosa'?
Enquanto o Viagra atua na circulação sanguínea do pênis, resolvendo um problema mecânico, a flibanserina age diretamente no cérebro. Ela modula neurotransmissores como a serotonina e a dopamina, que estão ligados ao humor e ao apetite, com o objetivo de influenciar o desejo sexual. Seu foco é o transtorno do desejo sexual hipoativo, uma condição complexa descrita nos anos 1990, caracterizada por uma falta persistente de libido que causa sofrimento emocional.
A ginecologista Lúcia Alves, vice-presidente da Comissão Nacional de Sexologia da Febrasgo, explica que o medicamento interfere no desejo, e não na excitação física. "O problema é que os benefícios clínicos ainda são considerados modestos, especialmente quando colocamos na balança os efeitos adversos e o fato de que a resposta varia muito de mulher para mulher", pondera a especialista.
Perspectivas e limitações do tratamento
A ampliação da indicação para mulheres na pós-menopausa abre um novo mercado para o Addyi, atendendo a uma demanda real de um grupo que vê sua expectativa de vida sexual aumentar junto com a longevidade. Estudos apontam que, na dosagem de 100 mg, o comprimido pode melhorar a satisfação sexual e reduzir o sofrimento relacionado à falta de libido, tanto antes como depois da menopausa.
No entanto, os especialistas chamam a atenção para a complexidade do desejo feminino. Fatores psicológicos, a qualidade do relacionamento, a autoimagem corporal e questões hormonais estão sempre em jogo. "Tudo isso mexe diretamente com a libido e nem sempre é capturado nesses estudos", observa Lúcia Alves.
Por enquanto, não há previsão para a liberação ou comercialização do Addyi no Brasil. No país, queixas de baixa libido na pós-menopausa são geralmente manejadas com reposição hormonal e uso controlado de testosterona. Ainda assim, a aprovação renovada da pílula rosa nos Estados Unidos acende um debate importante sobre equidade no tratamento de questões sexuais e materializa um ponto de partida para futuras pesquisas na área.