Datafolha: 34% dos petistas se dizem de direita e 14% dos bolsonaristas, de esquerda
Pesquisa revela mistura ideológica em petistas e bolsonaristas

Uma pesquisa Datafolha revela um cenário político brasileiro com identidades partidárias e ideológicas que nem sempre se alinham de forma convencional. O estudo aponta que uma parcela significativa de eleitores que se declaram petistas também se identificam com a direita no espectro político, enquanto uma minoria dos bolsonaristas afirma ter posicionamentos de esquerda.

Os números da aparente contradição

O levantamento, realizado entre os dias 2 e 4 de dezembro, ouviu 2.002 pessoas com 16 anos ou mais em 113 municípios. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos. A pesquisa utilizou escalas para medir tanto a identificação partidária (de 1 a 5, sendo 1 bolsonarista e 5 petista) quanto a posição ideológica (de 1 a 7, do máximo à esquerda ao máximo à direita).

Os resultados gerais mostram que 47% dos brasileiros se definem como de direita ou centro-direita, enquanto 28% se colocam como de esquerda ou centro-esquerda. No campo da identificação com figuras políticas, 40% se declaram petistas e 34%, bolsonaristas.

O cruzamento desses dados, porém, é que traz a surpresa. Entre os que se identificam como petistas (posições 4 e 5 na escala), 34% se dizem de direita ou centro-direita. Outros 9% se colocam no centro, 47% na esquerda ou centro-esquerda, e 9% não souberam se classificar.

Já entre os bolsonaristas (posições 1 e 2), a consistência ideológica é maior: 76% estão na direita ou centro-direita. Contudo, 14% afirmam ser de esquerda ou centro-esquerda, 8% se dizem de centro e apenas 2% não souberam responder.

O que explicam os especialistas

Para cientistas políticos ouvidos pela reportagem, o fenômeno não é necessariamente um erro do eleitor, mas reflete nuances complexas da política nacional. Bruno Bolognesi, professor da UFPR, atribui a incongruência à sobreposição de conceitos e à forte influência do carisma pessoal de Lula e Jair Bolsonaro.

"A pessoa que tem 60 anos e era petista desde a fundação do partido hoje em dia se identifica com o PT, mas é superconservadora", exemplifica Bolognesi, citando o "petismo católico" do Sul do Brasil como um exemplo de apoio ao partido combinado com valores conservadores. Ele aponta que o inverso também ocorre: "Há um pessoal evangélico [no bolsonarismo] que é altamente estatista, que apoia o Bolsa Família e o direito do trabalhador".

Identidade política versus ideologia formal

Elias Tavares, outro cientista político, vê nos dados uma clara separação entre identidade ideológica formal (direita/esquerda) e identidade política concreta (petismo/bolsonarismo). Para ele, os rótulos funcionam mais como marcadores de lado na disputa do que como expressões ideológicas puras.

"Muitas vezes, o eleitor se identifica com um desses campos principalmente para se diferenciar do outro, não porque compartilha integralmente suas ideias", analisa Tavares. Ele acredita que petistas de direita podem, por exemplo, apoiar o PT em questões econômicas ou sociais, mas ter posições alinhadas à direita em temas como costumes e segurança pública.

Luis Gustavo Teixeira, da Unipampa, reforça que o eleitorado brasileiro e latino-americano tende a ter uma relação mais direta com seus líderes do que com classificações ideológicas abstratas. As influências políticas estariam mais vinculadas ao pensamento de líderes populistas do que a corpos doutrinários de esquerda ou direita.

Metodologia e entendimento dos conceitos

Marcus Ianoni, professor da UFF, levanta um ponto crucial sobre a metodologia. Ele sugere que o Datafolha deveria explicitar o que entende por esquerda e direita, pois o entendimento desses termos pelo entrevistado impacta os resultados.

"A sondagem deveria coletar o que os entrevistados entendem por esquerda e direita e o que, segundo eles, há de esquerda e de direita tanto no bolsonarismo como no petismo", propõe Ianoni. Essa falta de clareza conceitual, somada aos efeitos da polarização, que empurra para escolhas binárias, pode ajudar a explicar os números.

Os dados, no fim, pintam um retrato de um eleitorado cujas lealdades e autodefinições são multifacetadas. A pesquisa revela que, no Brasil atual, ser "petista" ou "bolsonarista" pode carregar significados que transcendem as tradicionais divisões entre esquerda e direita, estando profundamente ligados a valores pessoais, identidade cultural e, acima de tudo, à relação com os líderes que personificam essas correntes políticas.