A chegada do Natal em Minas Gerais reacende uma das tradições mais calorosas e acolhedoras do estado: a abertura das portas das casas para que a comunidade e visitantes possam admirar presépios montados com devoção e criatividade. Em Santa Luzia, cidade histórica da Região Metropolitana de Belo Horizonte, essa prática secular atravessa gerações, transformando residências em pequenos museus de fé e arte popular durante o período festivo.
Casas que se tornam santuários
Dona Maria da Piedade Silva Aragão, aposentada, carrega uma herança familiar de mais de meio século. O presépio que monta em sua sala é uma obra de arte feita com materiais simples e muito amor, utilizando pano de prato, saco de linhagem, crochê e flores. "A casa sempre teve aberta para quem quisesse visitar", afirma ela, mantendo viva a tradição recebida de seus avós e repassada a pais e filhos.
O sentimento de encantamento é compartilhado por quem visita. Adrieli Advento, professora, não esconde a emoção: "Eu fico muito encantada. Eu sinceramente tem hora que me dá até vontade de chorar quando eu vejo". Esse acolhimento é uma marca registrada da região, como destaca a comerciante Bianca Skov, que também abre suas portas. Seu presépio, feito com caixas de embalagem recicláveis, recria o nascimento de Jesus de forma sustentável. "Nós mineiros, somos acolhedores por natureza e é uma coisa que aquece o coração da gente. É uma alegria para mim receber as pessoas aqui na minha casa", pontua.
Fé, arte e patrimônio
O gesto de abrir a casa privada para desconhecidos é visto como um verdadeiro presente. Meibe Rodrigues, cineasta e servidora pública, expressa sua gratidão: "Não é todo mundo que está disposta a abrir sua casa para quem nem conhece. Eu me considero assim já presenteada neste natal".
A tradição também se manifesta em espaços públicos e históricos. Na igreja matriz da cidade, ao lado do altar, um presépio da década de 1920 encanta os fiéis. Para o Padre Felipe Lemos, reitor, a representação vai além da decoração: "O presépio nos leva a nossa infância, a nossa imaginação. Significa a fé no coração do povo mineiro".
Uma joia centenária: o Presépio do Pipiripau
A riqueza da tradição mineira ganha dimensão monumental no Presépio do Pipiripau, patrimônio cultural do Brasil que está no Museu de História Natural da UFMG. Construído pelo artesão mineiro Raimundo Machado em 1906, quando ele tinha apenas 12 anos, a obra é um espetáculo de mecânica e criatividade.
Carlos Adalberto Alves Santos, responsável pela manutenção, detalha a genialidade por trás das quase 600 figuras: "Era roda de máquina mecânica, roda de velocípede, vela de contrapeso, carretel de linha, era os material que ele utilizava". Movidas por engrenagens de madeira e linhas, as cenas contam a história de Jesus e do cotidiano mineiro, emocionando gerações.
Para Natália Dantas, farmacêutica, visitar o Pipiripau com os filhos é perpetuar uma memória afetiva: "É muito bom trazer meus filhos, já que eu estive aqui quando eu era criança. Faz parte da cultura das famílias trazer as crianças aqui na época do Natal".
Assim, entre a simplicidade das casas abertas em Santa Luzia e a complexidade do patrimônio secular na capital, Minas Gerais preserva um jeito único e acolhedor de celebrar o Natal, mantendo viva uma tradição que, ano após ano, mexe com as engrenagens do coração.