Um ano após um crime que chocou o Brasil, a sobrevivente de uma intoxicação por arsênio causada por um bolo envenenado relata as graves sequelas com as quais convive. Zeli Teresinha dos Anjos, de 63 anos, foi uma das duas pessoas que sobreviveram ao episódio ocorrido em Torres, no Litoral Norte do Rio Grande do Sul, dias antes do Natal de 2024. Outras três mulheres, familiares de Zeli, não resistiram.
Sequelas neurológicas e vida após a tragédia
Em entrevista, Zeli detalhou que passou 18 dias internada, sendo 14 deles na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). As consequências do envenenamento, no entanto, são permanentes. Ela desenvolveu neuropatia periférica, uma condição que causa dormência, formigamento e fraqueza nas mãos e nas pernas. "Fiquei com sequelas neurológicas, que afetam as mãos e as pernas, e não é nada leve. Agora não tem mais o que fazer", desabafou a sobrevivente.
Atualmente, Zeli vive com medo de ser reconhecida em público devido à grande exposição do caso. Ela conta que sussurra seu nome completo para evitar que outras pessoas ouçam. "Queríamos ser esquecidos", afirmou. Para recomeçar, ela se mudou para outra cidade, onde mora com um filho e um neto. "Mudei para ficar com eles, que é tudo que sobrou 'do meu sangue'", completou.
Investigação concluída: arsênio foi comprado online
Em dezembro de 2025, a Polícia Civil concluiu a apuração sobre a origem do arsênio utilizado no crime. A investigação revelou que a substância foi adquirida por meio de dois sites diferentes, ambos pertencentes a uma mesma empresa com registro no Rio de Janeiro. A Delegacia do Consumidor (Decon) identificou o responsável pela venda.
Contudo, a polícia reforçou que, atualmente, não há previsão penal para a comercialização do produto para pessoas físicas, uma vez que não existe uma regulamentação específica que a proíba. "Tal venda não é proibida e ainda está pendente de regulamentações", explicou a delegada Milena Simioli.
A fiscalização de substâncias como o arsênio é de responsabilidade da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A polícia reconhece que podem existir infrações de caráter administrativo, mas a análise cabe ao órgão sanitário. Dois projetos de lei (PL 985/2025 e PL 1381/2025) tramitam na Câmara dos Deputados com o objetivo de fechar essa lacuna, proibindo a venda a pessoas físicas e exigindo justificativa técnica para o uso.
Relembrando o caso que resultou em quatro mortes
O episódio ocorreu durante um café da tarde em uma casa em Torres. Sete pessoas da mesma família começaram a passar mal após comer fatias de um bolo. As vítimas fatais foram as irmãs de Zeli, Maida Berenice Flores da Silva e Neuza Denize Silva dos Anjos, além de Tatiana Denize Silva dos Anjos, filha de Neuza. Além de Zeli, uma criança de 10 anos também sobreviveu.
A Polícia Civil apontou Deise Moura dos Anjos, nora de Zeli, como autora dos homicídios. Os crimes foram qualificados por motivo fútil, emprego de veneno e dissimulação. Deise foi presa temporariamente em janeiro de 2025, mas foi encontrada morta em sua cela na Penitenciária Estadual Feminina de Guaíba. Com sua morte, a punibilidade foi extinta, conforme prevê o Código Penal.
A investigação, concluída em fevereiro, também vinculou Deise à morte do sogro, ocorrida três meses antes, por ingestão de bananas e leite em pó contaminados. A principal hipótese para os crimes é uma "perturbação mental", tendo a polícia descartado motivação financeira.