Uma fraude digital de alta complexidade resultou na libertação ilegal de detentos do Centro de Remanejamento do Sistema Prisional (Ceresp) Gameleira, em Belo Horizonte, no último sábado, 20 de janeiro. Criminosos utilizaram credenciais legítimas para invadir o sistema do Poder Judiciário e emitir alvarás de soltura falsos, que foram aceitos pelo sistema prisional integrado. O caso foi divulgado pelas autoridades nesta terça-feira, 23 de janeiro.
Como a fraude funcionou e o rastro dos fugitivos
De acordo com as investigações em andamento, quatro presos conseguiram deixar a unidade penal pela porta da frente, aproveitando a aparência de legalidade dos documentos forjados. A ação foi possível porque hackers acessaram o sistema judicial usando logins e senhas reais, embora obtidos de forma ilícita. Isso permitiu que inserissem ordens de liberação fraudulentas no Banco Nacional de Mandados de Prisão, plataforma do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
As falsas determinações judiciais foram então repassadas automaticamente para a Secretaria de Justiça de Minas Gerais, desencadeando o procedimento padrão de soltura. Um dos quatro fugitivos já foi recapturado pelas forças de segurança. Os outros três permanecem foragidos e são alvo de busca ativa. Eles foram identificados como Ricardo Lopes de Araujo, Wanderson Henrique Lucena Salomão e Nikolas Henrique de Paiva Silva.
As etapas normais de um alvará de soltura e onde a fraude atuou
Para entender a dimensão do golpe, é crucial conhecer o fluxo legítimo de uma ordem de liberação. O processo é totalmente eletrônico e integrado.
Emissão Judicial: Apenas um magistrado (juiz, desembargador ou ministro do STF) pode determinar a soltura de um preso, registrando a decisão no sistema do Judiciário.
Transmissão Eletrônica: Uma vez assinado digitalmente, o alvará é enviado de forma automática e segura para o sistema prisional estadual.
Verificação e Cumprimento: A unidade prisional recebe o documento, confere sua autenticidade, verifica as condições e, após confirmar a identidade do detento, procede com a liberação, registrando o fato.
No caso da fraude no Ceresp Gameleira, o ponto de falha ocorreu na origem. Os criminosos conseguiram simular o primeiro passo – a decisão judicial – inserindo documentos falsos que pareciam perfeitamente legítimos para as etapas seguintes, que funcionaram de forma automática.
Reações das autoridades e medidas tomadas
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) informou que todas as ordens de soltura forjadas já foram identificadas e anuladas. A corte destacou que os alvarás não foram expedidos por nenhum juiz e que os mandados de prisão contra os envolvidos foram restabelecidos.
O CNJ emitiu nota para esclarecer que não houve uma invasão ou falha estrutural em seus sistemas. O órgão atribuiu o episódio ao uso fraudulento de credenciais válidas e afirmou que as decisões falsas foram canceladas em menos de 24 horas. O Conselho também negou qualquer indício de falha sistêmica ou envolvimento de servidores.
Em resposta imediata ao caso, o vice-governador de Minas Gerais, Mateus Simões (PSD), anunciou uma medida de segurança. O estado vai atrasar temporariamente o cumprimento das próximas ordens de soltura para implementar uma checagem manual extra da autenticidade das decisões judiciais, visando evitar a repetição de um episódio semelhante.
A Secretaria de Segurança Pública de Minas Gerais e o TJMG continuam com as investigações para apurar todos os detalhes da fraude e identificar os responsáveis pela invasão ao sistema.