Enquanto para muitos dezembro é sinônimo de celebração e renovação, para uma parcela significativa da população o último mês do ano acende um misto de emoções dolorosas, como angústia, estresse e uma profunda tristeza. Esse fenômeno, popularmente chamado de "dezembrite", descreve o impacto emocional negativo que pode surgir com a chegada das festas de fim de ano.
O que é a "dezembrite" e quais são suas causas?
De acordo com o psiquiatra Arthur Cardoso, ouvido pelo g1, a "dezembrite" não é um diagnóstico médico oficial, mas um termo que captura um mal-estar real. Ele está frequentemente ligado à avaliação das metas não alcançadas ao longo do ano. Nesse período, é comum que as pessoas façam um balanço e, ao se compararem consigo mesmas e com os outros, sintam que ficaram para trás.
Um agravante potente, segundo o especialista, é a "felicidade compulsória" exibida nas redes sociais. Para quem está enfrentando lutos, dificuldades financeiras ou simplesmente não se sente em festa, a enxurrada de imagens de celebrações perfeitas atua como um gatilho para o isolamento e a sensação de inadequação. "Alguém que já esteja fragilizado... pode acabar sofrendo mais influência dessa característica das redes sociais", explica Cardoso, lembrando que o mundo digital mostra apenas uma parcela selecionada da realidade.
Gatilhos emocionais: luto e dinâmicas familiares
Além das comparações sociais, datas como o Natal podem intensificar a dor daqueles que perderam entes queridos. O psiquiatra ressalta que compreender que a morte faz parte do ciclo da vida pode amenizar, mas não eliminar, a saudade. "Valorizar lembranças e experiências vividas pode ajudar a ressignificar a perda", afirma.
As reuniões familiares também podem funcionar como gatilhos, especialmente em contextos de relações conflituosas. A recomendação de Cardoso é tentar manter o respeito durante os encontros, evitando trazer à tona conflitos que devem ser resolvidos em outra ocasião. No entanto, ele ressalta que essa orientação é individual, pois comportamentos e reações variam de pessoa para pessoa.
Sinais de alerta e como buscar ajuda
O especialista alerta que é crucial observar quando os sentimentos afetam intensamente a saúde mental, a ponto de prejudicar atividades básicas como autocuidado, trabalho e vida social. "Em vez de a gente ficar buscando pontos específicos, [devemos] pensar em algum mal-estar emocional... que seja sustentado", diz.
Entre os sinais que podem indicar um sofrimento emocional intensificado estão:
- Perda de controle emocional
- Irritação excessiva e explosiva
- Insônia constante
- Choro recorrente
- Impulsos de fuga
- Pensamentos de desistência
Ao identificar esse padrão, a orientação é procurar uma avaliação clínica para investigar se as causas são físicas ou emocionais.
Estratégias para enfrentar o período
Ana Cristina Tomazeli, mestra em Counseling em Clínica de Saúde Mental, explica que o fim do ano é marcado por excesso de estímulos, o que hiperestimula o sistema nervoso. "O caminho... é desativar o sistema nervoso central dessa ativação", diz. Para isso, ela e outros especialistas recomendam:
- Reconhecer e nomear os sentimentos.
- Identificar onde a emoção se manifesta no corpo.
- Criar pausas antes de reagir.
- Estabelecer micro-rotinas de ancoragem.
- Praticar respiração consciente com o diafragma.
- Reduzir o isolamento social e emocional.
- Ter atenção ao consumo de conteúdos digitais.
Tomazeli destaca que "nosso sistema nervoso central aprende por repetição", portanto, é preciso treinar a calma para que a resposta ao estresse não se intensifique a cada ano.
A síndrome do "Janeiro Branco"
O impacto emocional do fim de ano nem sempre termina em dezembro. Arthur Cardoso observa que muitas pessoas conseguem lidar com as festas, mas apresentam uma piora emocional em janeiro, fenômeno às vezes chamado de "Janeiro Branco". Por isso, ele recomenda o acompanhamento regular com profissionais de confiança, que podem ajudar a identificar sinais de recaída precocemente.
A mensagem final do psiquiatra é de valorização dos próprios sentimentos: "Se não está se sentindo bem... é necessário pensar em um impacto emocional e procurar o quanto antes uma avaliação". Cuidar da saúde mental é um passo fundamental para enfrentar não só o dezembro, mas todo o ciclo anual que se inicia.