A Corrida Internacional de São Silvestre, um dos eventos esportivos mais tradicionais do Brasil, completa um século de história em 2025, quando será realizada sua centésima edição. A prova, que se tornou uma tradição na virada do ano, nasceu de uma inspiração que veio diretamente da capital francesa.
Da França para São Paulo: a origem da tradição
A ideia da São Silvestre surgiu na mente do jornalista, empresário e advogado Cásper Líbero. Em 1924, durante uma viagem a Paris, ele ficou maravilhado ao assistir a uma corrida noturna na qual os atletas empunhavam tochas, criando um efeito visual impressionante. Encantado com o espetáculo, Líbero decidiu trazer o conceito para o Brasil.
Em 31 de dezembro de 1925, às 23h40, ocorreu a primeira edição da prova, batizada em homenagem ao santo do dia, São Silvestre – na época, escrito com "Y". A largada aconteceu no Parque Trianon, na Avenida Paulista, em São Paulo. Dos 60 inscritos, 48 compareceram para percorrer os 8,8 mil metros pelas ruas da cidade. O vencedor foi Alfredo Gomes, que completou o percurso em 23 minutos e 19 segundos.
"Alfredo Gomes era um atleta negro. Em 1924, um ano antes da primeira edição da São Silvestre, ele já fazia sucesso porque estava representando o Brasil nos Jogos Olímpicos de Paris. Ele foi o primeiro negro a representar o país", explica Eric Castelheiro, diretor-executivo da Corrida Internacional de São Silvestre.
A evolução e os heróis da prova
Inicialmente restrita a atletas brasileiros, a São Silvestre passou a aceitar estrangeiros residentes no Brasil a partir de 1927, com a vitória do italiano Heitor Blasi. O caráter verdadeiramente internacional começou em 1945, após a Segunda Guerra Mundial, inaugurando um período de 34 anos sem vitórias brasileiras – um tabu quebrado apenas em 1980 por José João da Silva.
"O povo começava a chorar, a gritar... Era [a quebra] de um tabu. O primeiro brasileiro a vencer", recorda-se José João, emocionado. "Parou o país. Foi como uma Copa do Mundo... A tua vida muda totalmente".
As mulheres só começaram a competir em 1975, com a vitória da alemã Christa Valensieck. Desde que se tornou internacional, os brasileiros venceram 16 vezes: 11 no masculino e 5 no feminino. O último triunfo masculino foi de Marilson Gomes dos Santos em 2010, e o feminino, de Lucélia Peres em 2006.
Marilson, com três vitórias (2003, 2005 e 2010), é o brasileiro com mais títulos na era internacional. "Quando você ganha, vemos mais pessoas querendo correr também... Eu vi muitos depoimentos e até hoje escuto pessoas falando que começaram a correr porque me viram ganhar a São Silvestre em 2003", afirma o atleta.
Histórias de superação e inspiração
A São Silvestre é repleta de narrativas de superação. Maria Zeferina Baldaia, vencedora em 2001, trabalhou por 20 anos como boia-fria em lavouras de cana-de-açúcar. Ela correu descalça por 15 anos, sem condições de comprar um tênis. Sua inspiração veio ao assistir pela TV a portuguesa Rosa Mota, maior vencedora da prova com seis títulos consecutivos nos anos 1980.
"Eu me espelhei na Rosa Mota. Depois da minha vitória... eu escuto de muitas pessoas... que querem ser igual a Maria Zeferina", diz a atleta, que hoje dá nome ao centro olímpico de sua cidade, Sertãozinho (SP).
"Zeferina é uma marca muito forte... Ela tem também a história de que não nasceu atleta: ela cortou cana, teve uma vida muito dura e virou atleta. Então, ela também é a imagem do possível", destaca a atleta e personal trainer Martha Maria Dallari.
A São Silvestre hoje: uma prova democrática
Atualmente, a São Silvestre é um evento massivo e inclusivo. Em 2025, a edição histórica contará com um recorde de mais de 50 mil inscritos. A organização é feita por ondas de largada, começando com atletas PCDs e cadeirantes, seguidos pelas elites feminina e masculina, e depois pelo público em geral.
"A gente sempre fala que a São Silvestre é uma das mais democráticas competições esportivas... porque nem todo mundo vem para competir. Tem gente que vem para fazer realizações pessoais, quebrar sua própria marca", enfatiza Castelheiro.
Além da prova principal, existe a São Silvestrinha, uma edição especial para crianças e adolescentes realizada no Centro Olímpico do Ibirapuera. O evento só não foi realizado em 2020, devido à pandemia de covid-19.
"O forte da São Silvestre são essas histórias, são essas pessoas que resolvem correr, desafiar, encontrar amigos e celebrar o ano novo", conclui Martha Dallari, destacando o poder da prova em reconectar as pessoas com o espaço público e a história da cidade de São Paulo.