Futtitinni: a palavra siciliana que virou filosofia de vida e ensina a 'deixar para lá'
Futtitinni: a expressão siciliana que virou filosofia de vida

Em um mundo de pressões constantes, os sicilianos guardam um segredo milenar para atravessar a vida com mais leveza. Tudo se resume a uma única palavra: futtitinni. O ator italiano Giuseppe Capodicasa, que se define como "100% siciliano", apresentou essa expressão carregada de significado em um vídeo para o BBC Reel, revelando que se trata muito mais do que um termo coloquial.

Uma palavra com sabor de história

A ilha da Sicília, ao sul da Itália, é um caldeirão cultural secular. Embora o italiano seja falado, a sonoridade local guarda as marcas de gregos, árabes, normandos e espanhóis que por lá passaram. Antes da consolidação do italiano padrão no século XIX, os sicilianos falavam o siciliano, uma língua românica única. Futtitinni é uma herança direta desse passado linguístico complexo.

Segundo Capodicasa, a palavra carrega "uma filosofia de vida, uma forma de conceber a nossa existência". O filósofo siciliano Pietro Briguglio concorda, destacando a sensação de alívio que ela provoca: "Quando você a pronuncia, descarrega um peso que carregava e fica mais leve."

Do significado vulgar à sabedoria popular

A origem da palavra, no entanto, é menos poética. Ela deriva do verbo siciliano futtíri, uma forma vulgar para "copular", com raiz no latim futūere. Com o tempo, assim como ocorreu em outras línguas, o termo ampliou seu sentido e ganhou usos figurados, podendo significar enganar, importunar ou tirar vantagem, dependendo do contexto.

Dessa evolução semântica nasceu o futtitinni moderno, que carrega um tom entre o despreocupado e o levemente irreverente. É um parente distante do "que se dane" ou "que se foda", mas com uma inflexão tipicamente siciliana que o torna mais reflexivo do que agressivo.

"Futtitinni não é superficialidade", esclarece Capodicasa. "É a capacidade de atravessar as situações da vida com consciência e leveza."

Um antídoto para os tempos modernos

Nos últimos anos, a expressão viveu um ressurgimento expressivo. Competições de memes, camisetas estampadas e artigos em blogs e revistas resgatam seu sentido como uma espécie de "pedagogia do essencial". Para Francesco Mazzarella, que escreveu sobre o tema na revista Paese, futtitinni "não é superficialidade, mas a arte do discernimento".

Trata-se de um discernimento "que distingue entre o urgente e o ruidoso, entre o que nos constrói e o que nos consome". Em uma era onde tudo exige atenção imediata, Mazzarella defende que futtitinni se tornou uma pequena revolução, um convite à prática do "bom desapego".

A expressão sintetiza uma forma típica siciliana de enfrentar a adversidade com dignidade e humor, um traço observado desde os tempos do político romano Cícero, no século I a.C. É uma ferramenta para consolar um amigo, superar uma decepção financeira ou colocar um contratempo cotidiano em perspectiva.

Capodicasa dá exemplos práticos: "Sua parceira te deixou? Talvez não fosse a pessoa certa. Perdeu o emprego? Encare como um novo começo." E ele finaliza com humor: "Há quem faça ioga, meditação, respire com o diafragma. Há quem vá à Índia para se encontrar. Na Sicília, fazemos tudo isso com uma única palavra."

Conta-se que um velho sábio, ao ensinar as leis da filosofia siciliana a um jovem, parou, olhou-o nos olhos e resumiu tudo: "Filho, se você não pode mudar aquilo que te faz sofrer, então futtitinni." Ao dizer isso, provavelmente fez o gesto que costuma acompanhar a expressão: levantar a mão de baixo para cima, como quem lança as preocupações para o alto e segue em frente, mais leve.