Nesta quarta-feira (31), um grupo de aproximadamente 103 famílias, somando mais de 390 pessoas, iniciou o retorno às suas residências em Rio Branco, capital do Acre. Esses moradores estavam desabrigados devido às enxurradas provocadas pela transbordamento de igarapés e do Rio Acre no último final de semana.
Um cenário histórico e atípico
A cidade de Rio Branco enfrenta, em pleno mês de dezembro, uma situação climática extrema que não se repetia há cinco décadas. As fortes chuvas registradas entre quinta (25) e sexta-feira (26) elevaram o nível do Rio Acre de forma abrupta, causando alagações que já afetaram mais de 20 mil pessoas na capital.
Os dados da Defesa Civil municipal são alarmantes: até terça-feira (30), o acumulado de chuvas chegou a 561 milímetros, mais que o dobro da média histórica para dezembro, que é de cerca de 265 milímetros. O Rio Acre, principal manancial da cidade, chegou a marcar 14,75 metros, permanecendo 75 centímetros acima da cota de transbordo.
O retorno para casa e as perdas dos moradores
As famílias que começam a deixar os abrigos – instalados nas escolas Álvaro Rocha e Anice Jatene e no Centro Cultural Mestre Caboquinho desde a sexta-feira (26) – recebem apoio da prefeitura para o retorno. Elas são assistidas com a distribuição de sacolões, kits de limpeza e transporte em caminhões municipais até os bairros de origem, como Conquista, da Paz e Parque das Palmeiras.
Por trás do alívio do retorno, há histórias de grandes prejuízos materiais e emocionais. A autônoma Ana Maria, residente no bairro da Paz há 25 anos, relatou que já está acostumada com as alagações, mas foi surpreendida pela violência da enxurrada deste ano. "Minha TV de 50 polegadas foi quebrada, minhas coisas chegaram molhadas, ninguém aguenta mais", desabafou. Ela destacou que só estava retornando porque aguardava a visita de um irmão que não via há mais de 25 anos.
Jair Carlos, morador do Bairro Habitasa há 13 anos, conseguiu salvar apenas uma pasta com documentos. O restante de seus pertences, incluindo televisão, cama box, geladeira e armário, ficou totalmente submerso. Ele contou que pediu ajuda aos bombeiros com três dias de antecedência, mas quando a equipe chegou, sua casa já estava completamente inundada.
Situação de emergência e assistência contínua
Tanto a Prefeitura de Rio Branco quanto o governo do Acre decretaram situação de emergência devido às cheias. O decreto municipal, que já vigorava desde março de 2025, foi mantido, enquanto o estado reconheceu a emergência de nível 2 em cinco municípios: Rio Branco, Feijó, Plácido de Castro, Santa Rosa do Purus e Tarauacá.
O tenente-coronel Cláudio Falcão, coordenador da Defesa Civil de Rio Branco, explicou que o abrigo na Escola Anice Jatene não será totalmente desmontado, pois ainda atende desabrigados pela cheia do Rio Branco. Outros cinco locais continuam funcionando para acolher quem ainda não pode voltar:
- Escola Maria Lúcia - Bairro Morada do Sol
- Escola Georgete Eluan Kalume - Bairro Cadeia Velha
- Escola Marilda Gouveia Viana - Bairro João Eduardo I
- Escola Estadual Leôncio de Carvalho (abrigo indígena)
- Escola Ayrton Senna da Silva
Nesses locais, as famílias recebem alimentação, atendimento em saúde, acompanhamento social e apoio das equipes da Defesa Civil, que permanecem de prontidão para novas remoções caso o nível do rio volte a subir.
O fenômeno é considerado histórico. Segundo o tenente-coronel Falcão, o Rio Acre é monitorado desde 1970 e a única vez que se registrou um transbordamento dessa magnitude em dezembro foi no longínquo ano de 1975, há exatamente 50 anos. A governadora em exercício, Mailza Assis, também destacou volumes de chuva extremos em outros municípios, como Brasiléia, onde o acumulado de dezembro já está 82% acima da média esperada.